Quando observamos outros mamíferos percebemos o tamanho de nossa vulnerabilidade no reino animal! Os filhotes da girafa conseguem andar após 1 hora de seu nascimento, nossos primos macacos nascem e logo se penduram em sua mãe. Enquanto nós humanos sequer sustentamos nossa cabeça! Nós não nascemos prontos, precisamos ainda de um tempinho de desenvolvimento do lado de fora, é o que diz a teoria da exterogestação.
A gestação do lado de fora
Nosso bebê ainda precisa de um tempinho para se desenvolver fora da barriga da mãe. Afinal, ele ainda é extremamente dependente para sobreviver! Isto é o que diz a teoria da exterogestação, desenvolvida pelo antropólogo Ashley Montagu e difundida pelo pediatra Harvey Karp. Além dos 9 meses dentro da barriga da mãe, a gestação do lado de fora levaria pelo menos mais 3 meses para se completar.
Entretanto, existe um motivo biológico importante que justifica este aparente “despreparo” para o nascimento! Quando o bebê nasce o cérebro humano não está suficientemente desenvolvido para lidar com o mundo. Caso a natureza esperasse este tempo, a cabeça do feto seria grande demais para passar pelo canal vaginal.
Como sempre, podemos perceber a sabedoria da Mãe Natureza! Tudo tem seu tempo devido e o tempo dos bebês não respeita relógio e esquemas cartesianos! Trata-se de um tempo que está além de uma lógica racional! Como nos relata Laura Gutman no livro Maternidade e o encontro com a própria sombra: o resgate do relacionamento entre mães e filhos:
Para nos aproximarmos do universo do bebê é necessário usar o conhecimento intuitivo, e não o conhecimento racional, pois se trata de um ser regido por necessidades e leis que escapam às previsões mentais dos adultos. Esta aproximação intuitiva que aflora nas mães é muito desvalorizada socialmente. Por isso, as mulheres não respeitam os sentimentos óbvios que surgem pelo fenômeno de fusão emocional, que lhes permite ficar milimetricamente conectadas com as manifestações de seus bebês. (p.109)
Tempos de fusão
A ideia de que há uma fusão entre mãe e bebê chegou a mim de forma mais palatável através da Laura Gutman! Sempre tive medo de invadir o espaço da minha filha, de não respeitá-la enquanto indivíduo! Eu tinha medo de ser igual àquelas mães que agem como se o filho fosse uma extensão dos seus desejos, praticamente um boneco que elas manipulam da forma que desejam!
Exercitei por algum tempo este distanciamento com o objetivo de não me confundir com minha filha. Mas quando surgem os perrengues, o cansaço e toda a desordem emocional e hormonal do puerpério fica evidente este aspecto de fusão! A partir da leitura da Laura Gutman pude ressignificar o conceito de fusão e mesmo de simbiose numa perspectiva muito mais positiva nos primeiros anos do nascimento.
Segundo a autora, desde o nascimento até os 9 meses o bebê têm necessidades básicas que se assemelham àquelas que eram atendidas prontamente no ventre materno! São elas respectivamente: comunicação, contato, movimento e alimentação permanente.
Empatia com o “mundo dos bebês”
O choro dos bebês recém-nascidos refletem a profundidade de seu desconforto! Para amenizar isso é preciso tentar recriar alguns aspectos da vida intra-uterina. Vale a pena cuidar para que o mundo seja apresentado ao bebê de forma gradativa e tranquila!
Acredito que é preciso usar empatia para imaginar a enorme transição que é nascer! De que forma podemos fazer uma transição menos abrupta para este nosso mundo real? Tudo é novidade, trata-se de um mundo cheio de cores, sons, cheiros e uma explosão de sentidos! Antes estávamos aquecidos, apertados, alimentados… Agora estamos tendo nosso primeiro contato com o desconforto, com a necessidade, com a ausência… Por isso, o que mais acalma o bebê é a conhecida voz da mãe ou do pai, o colo, o aconchego!
Acredito que a maioria das mães perceberam o poder de sua voz, cheiro ou contato para acalmar seu filho! Digamos que nesta terra de ninguém, a mãe e o pai ou cuidadores mais próximos são os guias para esta longa jornada chamada vida! Eu amei e recomendo o documentário O Começo da Vida, cheio de sensibilidade nos coloca neste universo dos bebês!
Comunicação e Contato
Na lista descrita pela Laura Gutman comunicação e contato figuram como aspectos principais! Esta experiência é fundamental para desenvolver a sensação de segurança e confiança ao bebê! No entanto, percebo uma certa dureza em relação à forma como vemos nossas crianças!
Em Amamentação: um capítulo à parte comentei que com 24 horas de vida, minha filha foi taxada de “preguiçosa” na maternidade! Além disso, quando ficava com ela no colo eu ouvia: “Você vai deixá-la mal acostumada, hein!” Sobre isso recomendo o vídeo: Colo deixa os bebês mimados no Canal Paizinho, vírgula.
Facilmente percebemos uma série de frases que denotam uma mesquinhez de sentimentos! Como se carinho demais fosse prejudicial à saúde infantil! Como se você precisasse ensinar ao seu filho que ele não pode ter muito, que é preciso se adaptar à escassez… E quanto antes, melhor! Puxa, por que tanta rudeza com este serzinho recém chegado ao mundo!
Quanto melhor afinarmos esta comunicação e contato com muito toque, olho no olho, muito colo e principalmente PRESENÇA nos cuidados diários, melhor será a adaptação de nosso bebê!
Movimento e Alimentação Permanente
Acredito que já seja moda o uso de sling! E que coisa boa poder levar nosso bebê conosco grudadinho! Infelizmente, o sling foi o que eu menos usei depois que minha filha nasceu! Simplesmente não rolou! Eu não me adaptei bem, quando eu me acertei, ela não curtia! Enfim, foi algo que eu idealizei bastante e não rolou pra gente! E tudo bem! A ideia central é manter o contato constante com a mãe e também o movimento! O bebê vive imerso em ruído e movimento no ventre materno e trazer estas condições após o nascimento é muito importante!
Além de dar colo, muito colo, colo em abundância para minha filha, rs, eu adaptei a necessidade de movimento usando uma bola de pilates! Sempre que minha filha Giovanna chorava eu tentava suprir todas as necessidades básicas: fome, aconchego, fralda… e quando o choro persistia eu experimentava o som do útero e o balanço na bola de pilates. De forma suave, este balanço trazia a ela conforto, porque logo se acalmava! Vale lembrar que NÃO é para sacudir o bebê, menos ainda dar aqueles trancos! Isso pode gerar a Síndrome do bebê sacudido.
A alimentação permanente era que o bebê tinha a seu dispor no ventre materno! Portanto é muito nova a sensação de falta, de fome! Desde a maternidade eu escutei as enfermeiras me aconselhando a “Não deixar a bebê chupetar o peito!” Entretanto, só fui desmistificar este conceito na Casa Curumin, onde a orientadora me perguntou: “Como sua filha vai chupetar se nem sequer sabe o que é uma chupeta? O que ela pode estar fazendo é alimentando sua necessidade de colo e aconchego!” A partir daí aumentou ainda mais minha disponibilidade para dar o peito à minha pequena!
“Ninguém pede aquilo que não precisa!”
A impressão que eu tenho é que as pessoas têm muito medo do amor. Medo desta relação tão especial, deste vínculo que se estabelece entre mãe e bebê! Na verdade, minha intuição me diz que a criança ferida de cada um está gritando! E ela diz: “Ah não deram carinho para mim, por que vão dar amor assim ‘de graça’ para este novo cidadão do mundo?!” Vale a pena dar uma olhadinha no artigo anterior “Maternidade: uma oportunidade de curar sua criança interior!“.
A frase título “Ninguém pede aquilo que não precisa!” foi a frase que mais mexeu comigo no livro da Laura Gutman! Isto porque ampliou o meu olhar para muito além da maternidade! Repensei bastante sobre minha criança, a relação com meus pais, meu trabalho como educadora e a própria relação com a sociedade.
Como seria o mundo se os adultos olhassem de verdade para os pedidos das crianças! E, para os críticos da Laura, eu não estou falando de viver em função dos pedidos das crianças! Mas para olhar profundamente para a necessidade que está escondida atrás daquele pedido! Na maioria das vezes tudo que as crianças querem é nosso olhar atento e focado nelas! Para refletir sobre isso um vídeo excelente é o Quem você convidaria para o jantar?
Coragem: a voz que vem do coração
Não tenha medo de entrar em fusão emocional com seu bebê! Esta teoria da exterogestação, para mim, valida ainda mais esta necessidade de contato íntimo e profundo entre mãe e bebê! Permita-se vivenciar esta experiência como uma oportunidade muito rica de cura emocional! Agora somos adultas e podemos amparar a criança que fomos e o bebê que temos nos braços!
Criar um bebê real é também reviver o bebê que fomos. O que acontece quando as mães criam seus bebês guiadas por conselhos e receitas recebidas, deixando de atender suas sensações viscerais? Simplesmente, a sombra aparece em manifestações incômodas, como doenças, choro desmedido e protestos dignos de bebês que resolveram chamar a atenção. (Gutman, p. 111)
Considerando esta perspectiva da exterogestação e da fusão emocional, imagine a tragédia de metodologias que propõem ignorar o choro dos bêbes! Deixá-los no berço e ADESTRÁ-LOS para que parem de chorar! Qual a leitura do mundo que estes recém chegados têm, quando suas necessidades básicas não são atendidas nem mesmo por seus cuidadores mais próximos?
Acredito que esta falta de suprimento emocional básico explique um mundo tão cheio de ódio e intolerância! No próximo artigo discutiremos um pouco mais a respeito da consequência destas necessidades não atendidas e como elas se apresentam como “pedidos deslocados”, segundo Laura Gutman. Enquanto isso, deixo o convite para que se fundam com seus bebês e que se disponibilizem emocionalmente para seus filhos! Para inspirar lá vai a linda música de Chico Cesar:
E aí você surgiu na minha frente
E eu vi o espaço e o tempo em suspensão
Senti no ar a força diferente
De um momento eterno desde entãoE aqui dentro de mim você demora
Já tornou-se parte mesmo do meu serE agora, em qualquer parte, a qualquer horaQuando eu fecho os olhos, vejo só vocêE cada um de nós é um a sós
E uma só pessoa somos nós
Unos num canto, numa vozO amor une os amantes em um ímã
E num enigma claro se traduz
Extremos se atraem, se aproximam
E se completam como sombra e luzE assim viemos, nos assimilando
Nos assemelhando, a nos absorver
E agora, não tem onde, não tem quando
Quando eu fecho os olhos, vejo só vocêE cada um de nós é um a sós
E uma só pessoa somos nós
Unos num canto, numa voz
Gratidão pela leitura! Namastê!
SOBRE A AUTORA
Gisele Mendonça, cientista social, mestre em sociologia, participante do Zum Zum de Mães e, principalmente, MÃE! Tem um blog chamado Conexão Profunda, visite www.conexaoprofunda.com.br e curta a página no facebook Conexão Profunda