Ritmo: eis meu desafio

Inicialmente, preciso dizer que como amante da dança, em suas várias vertentes, nunca imaginei que ritmo seria um desafio! Todavia, compreendo que, por vezes, fui enrijecendo ao invés de me flexibilizar diante dos desafios da vida! E, de fato, para viver plenamente há que se dançar conforme a música, atendendo às batidas do nosso coração!

“O bambu que se curva é mais forte que o carvalho que resiste”. Provérbio Japonês

Assim, em um de meus artigos favoritos do Conexão Profunda Faça seu ritmo e dance sua própria música! destaco a importância da autenticidade e do amor-próprio! Naquele momento, eu testemunhava muitas pessoas seguindo outras, como um rebanho sem a menor originalidade e respeito por si. Por isso, eu refletia sobre a importância de escutar a música interna, que pulsa em nosso coração e que é fundamental para uma existência plena!

A partir desta consciência do alinhamento interno, preciso confessar que a maternidade trouxe mais ziriguidum para meu repertório musical, rs! Afinal, não se tratava mais só de mim, mas da responsabilidade e o compromisso que tenho com este Ser que eu trouxe para este mundo!

O Ziriguidum da Maternidade

No momento em que eu estava melhorando o meu solo, surgiu a possibilidade de fazer uma dança em dupla. O mais interessante é que a minha parceira muda a música repentina e frequentemente, tal como um DJ indeciso e inseguro! Vale ressaltar que, provavelmente, é assim que minha filha se sente com 2 anos e 8 meses! Às vezes, percebo que ela quer me impressionar me imitando e, em outros momentos, quer impor suas próprias escolhas e contestações!

Apesar de falarmos tanto sobre rotina, os filhos não nos permitem conhecer o tédio, rs! A verdade é que nunca sei o ritmo que me espera no salão, às vezes começa com um sorriso doce que me indica uma música lenta e agradável. Mas, de repente, tudo muda e vira um rock metaleiro que não estava nos meus sonhos! Isso tudo acontece em fração de segundos e eu, por muitas vezes, fico sem entender de onde surgiu tanta coisa!

Certamente, haja flexibilidade e malemolência para lidar com os desafios emocionais que nossos filhos nos propõem! Seguindo a linha proposta pela Clarissa e por autores como Laura Gutman, tenho buscado observar o que minha filha tem me revelado! Imediatamente percebo MUITO trabalho de cura emocional pela frente! Cada vez mais vejo o meu caminho de resgate de minha criança interna ferida e cura emocional não apenas minha, mas de muitos ancestrais! Leia também Maternidade: uma oportunidade de curar sua criança interior!

Contexto Ancestral

O contexto histórico de nossos ancestrais é permeado de muita violência: guerras, perseguições, imigrações, fome e falências… Trata-se de um cenário de ameaças iminentes que fez parte da infância de nossos avós e nossos pais. Ou seja, esta sensação de medo, que é o grande pano de fundo de nossa sociedade, têm raízes profundas!

Ao olharmos para nossos ancestrais vale a pena ressaltar o papel da mulher como difusora de cultura! Isso, especialmente, numa sociedade patriarcal em que os papéis de poder e dominação eram prioritariamente exercidos pelos homens! À mulher cabia a educação dos filhos ou, quando muito, carreiras como a docência que também tratavam deste ambiente de formação educacional.

Assim, ao pesquisar um pouco sobre a história desta mulher – nossa tataravó, bisavó, avó e mãe – é possível notar que as palavras chaves são: REPRESSÃO e MEDO! Estas mulheres viveram conteúdos familiares e sociais de muita violência tanto explícita quanto implícita! Para quem se interessar, recomendo o Programa Café Filosófico Sexualidade: história de repressão e mudanças – Mary del Priore:

“Quando olhamos para trás e conhecemos os costumes dos nossos antepassados, a forma como eles lidavam com o próprio corpo e a sexualidade, compreendemos muito de nossos preconceitos e dos hábitos que reproduzimos… ou eliminamos”. (Introdução)

Neste contexto, é possível notar a enorme injustiça de julgar a educação que nossos pais nos deram com a consciência que temos AGORA! Afinal, opinar depois que o jogo acabou é fácil, a grande questão é ter humildade para entender que as pessoas fazem o melhor que podem com a consciência que têm no momento!

Novos Paradigmas

Iniciamos uma jornada rumo à construção de um novo paradigma social quando começamos a ler e flertar com conteúdos como: comunicação não violenta, criação com apego, maternagem consciente, disciplina positiva etc. Neste sentido, estamos à anos luz de distância da sociedade em que viviam nossos ancestrais!

Nas ocasiões em que vejo minha filha brincando com os avós, eu percebo como as coisas mudaram! Cotidianamente, busco construir novos panoramas de abundância, de gentileza, de integração e inclusão com minha filha! Antes, a educação se dava muito pelo medo, pela ameaça e pela chantagem emocional! Por isso, vejo que o trabalho que meu marido e eu realizamos é diferente e somos parceiros muito afinados para perceber quando alguém sai do ritmo! Afinal, ainda carregamos muitas crenças profundamente entranhadas deste sistema social e familiar.

Um exemplo recente foi o meu dizendo à minha filha que ela estava pesada! Aparentemente nenhum problema, mas meu tom estava acusativo, porque eu estava exausta! Logo, meu marido chamou minha atenção para observar o meu discurso. De algum modo eu fui transportada para o passado quando lembrei que me sentia responsável pela forma como minha mãe se sentia e isso me enchia de culpa!

Neste momento, percebi que apesar da distância entre os paradigmas, minha criança ferida continua lá, perdida naquele contexto, com aquelas feridas e precisando de minha maternagem atual! Vejo muito disso em minha filha: cada episódio de confusão emocional, por vezes, me remete à dores que eu ainda não curei!

“Eu vos digo: 

Alguém precisa ter caos em si mesmo

Para dar luz a uma estrela dançante”. Nietzsche

Descascando as Camadas da Cebola

Certa vez, fizeram esta metáfora ao falar sobre o processo de autoconhecimento: é como descascar uma cebola! Ou seja, sempre há camadas mais profundas, e assim, observo em meu próprio processo! Às vezes, parece que minha filha vai me conduzindo numa jornada de cura interna através de seu próprio processo de desenvolvimento! Geralmente, isso se inicia como um desconforto, algo que começa a me incomodar demais e que o comportamento dela manifesta!

De início, penso que é algo com ela, observo, indago, pesquiso e, de repente, começo a investigar o que EU estou sentindo com aquilo tudo! Por exemplo, é nítido e notório que questionar e tentar burlar as regras faz parte do cenário dos 2 anos. E ok, tudo conforme o esperado! Só que não, eu me irrito, me magoa, me deixa insegura, com raiva e muito cansada, por vezes, me sinto desrespeitada, invalidada e uma péssima mãe. Opa, agora isso tudo é MEU, MUITO MEU! Todas as expectativas, frustrações, medos e inseguranças que o processo dela desperta em mim NÃO SÃO RESPONSABILIDADE DA MINHA FILHA! MAS fazem parte do MEU PROCESSO DE AUTOCONHECIMENTO E CURA!

A ênfase da frase acima se faz necessária para que possamos perceber que NÓS somos RESPONSÁVEIS por nosso próprio processo! Uma tendência perigosa é querer voltar lá para a criança ferida e começar a se comportar como nossos filhos com 2 anos! Cuidado! Vejo que minha filha me mostra o caminho de minha jornada de cura, mas a responsabilidade de trilhá-lo é minha. Além disso, a responsabilidade de guiá-la, oferecendo segurança para que ELA trilhe seu próprio caminho, é minha enquanto adulta e responsável que sou! Mas só poderei oferecer isso à minha filha, se eu for um exemplo coerente em minha própria jornada! Para mergulhar neste processo  recomendo o Programa Pais Conscientes, Crianças Felizes, em que a Clarissa nos conduz numa jornada profunda de auto-consciência!

A Coerência Interna

Vivemos na sociedade do espetáculo, como diria o pensador Guy Debord! Este conceito nunca foi tão verdadeiro e palpável como atualmente! Isso nos estimula excessivamente a ficar distraídos do que realmente importa, do que é prioritário em nossa vida! Quantas vezes estamos nas redes sociais buscando amigos, curtidas e corações enquanto deixamos de conversar com as pessoas que ESCOLHEMOS compartilhar nossa vida?! Quantas vezes estamos preocupados com o mundo externo e deixamos de vivenciar o interno?!

“E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música”. Nietzsche

Particularmente, eu procuro ser muito atenta a estes aspectos! Em geral, utilizo as redes sociais mais para trabalho ou mensagens em que eu realmente acredito. No dia-a-dia, tento usar o celular me policiando para não exagerar, mas ainda assim minha filha vive pegando objetos e fingindo que é um celular! Isso me faz lembrar do filme Click que traz uma crítica bem humorada, mas provocativa a respeito de nossas escolhas na vida! Quantas vezes priorizamos o externo e esquecemos de nutrir o mais importante e significativo em nossa vida?!

Para dançar e fluir com a vida eu preciso estar conectada profundamente aos meus princípios e valores! Leia também Redesenho do Cotidiano: da Crise ao Zum Zum de Mães. Contudo, isso não significa estar enrijecida em verdades absolutas, mas apenas estruturada no que realmente importa em minha vida! Por isso, percebo que o ritmo para mim é um caminho de auto-respeito e conexão que ultrapassam regras pré-estabelecidas! Para encontrar o ritmo é preciso voltar a escutar o próprio coração, o vento, nossa respiração e, desta forma, acessar nosso ritmo interno. Ou seja, o ritmo da natureza manifesto em nosso próprio ser!

Gratidão pela leitura! Namastê!

SOBRE A AUTORA

Este texto foi escrito por Gisele Mendonça, cientista social, mestre em sociologia, participante do Zum Zum de Mães e, principalmente, MÃE! Tem um blog chamado Conexão Profunda, visite www.conexaoprofunda.com.br e curta a página no facebook Conexão Profunda