O que nos faz únicos enquanto seres humanos: as nossas experiências

Já é fato conhecido o ditado de que quando nasce um bebê ali também nasce uma mãe. Nesse sentido, desde que a maternidade chegou na minha vida, há quatro anos e meio, me deparei com um desejo de que tudo fosse parecido com outras experiências de maternidade, seja da minha mãe, família ou de amizades… Busquei referências de como eu era quando bebê, ou criança pequena, lia revistas, artigos, rede sociais, sempre em busca de referências, do melhor modelo, da melhor abordagem; enfim, do ideal de perfeição… Seria mais fácil ter um manual…

Em vários momentos, encontrei semelhanças e essas referências super me ajudaram a lidar com várias questões encontradas, trazendo por meio da experiência de outras pessoas, aprendizado para minha vida. Em outras vezes, seja por não ter encontrado ou mesmo pela falta de tempo na procura, fui de alguma forma meio que obrigada pela vida a simplesmente me reinventar e lidar com situações que surgiam, como elas se apresentavam e com o meu próprio repertório.

No meio dessa busca intensa por essas referências e pelo modelo ideal, eu me dei conta que em poucos momentos, eu parei para admirar o caminho. Apreciar a caminhada. Eu estava sempre querendo chegar ao final, na resolução, no tempo em que essa parte desafiadora tivesse passado. E principalmente, nessa ânsia pelo ponto de chegada, eu não reconhecia o quanto eu já tinha caminhado para chegar até onde estava, até onde estou. Eu percebi o quanto deixei de valorizar minha própria história de vida e poucas vezes senti gratidão por toda essa capacidade de buscar, desbravar, mesmo que nesse abrir fronteiras, eu tenha chegado a lugares diferentes do que eu tinha imaginado, mas muitas vezes até mais gratificantes.

Por essas reflexões, pude notar o quanto de repertório vem do nosso corpo, da nossa memória. Eu me dei conta das tantas vezes que busquei respostas fora de mim. Em outras, em que me permiti simplesmente parar, essas respostas simplesmente vinham, seja pela intuição ou insight, ou simplesmente por lembranças. Memórias que vieram das experiências. Experiências essas que fui colocando em caixas de boas e ruins. Mas agora, refletindo e buscando entender cada uma delas, consigo reconhecer alguns dos pontos de virada que cada uma delas me proporcionou. Isso contribuiu para moldar a minha própria realidade, independente dos papéis que exerço na vida, como mulher, mãe, esposa, amiga, profissional.

Ainda no embalo dessas reflexões, pude perceber que poucas vezes me permiti realmente digerir os acontecimentos da vida. Extrair deles, os sumos, os sucos, a nutrição, os aprendizados. E justamente por não me permitir isso, me pego muitas vezes pulando de galho em galho, de experiência em experiência, sempre aguardando o próximo momento, e com muita dificuldade de estar no momento presente. Principalmente porque para me conectar é necessário quase sempre algum grau de interiorização. Refletir, parar, observar o corpo, as emoções, meditar… Estar presente. Estar no corpo. Observar a respiração, sentir o vento, ouvir o canto dos pássaros, sentir o coração bater, sentir a vida. Mas isso é muito doído quando estamos sob o efeito de alguma forte emoção que não conseguimos digerir. Mais desafiador ainda é entender o que essas emoções querem nos dizer. Principalmente porque existem emoções categorizadas socialmente como boas ou ruins e ainda não temos esse grau de racionalidade de escolher que só sentiremos as caracterizadas como boas.

Continuando com as reflexões, pude compreender o quanto essa dificuldade em “digerir” vem também de uma não aceitação de vários fatos que aconteceram na minha história de vida. Muitos desses, foram marcantes e que, com meu julgamento, cataloguei como injustos, tristes. E essa mágoa não me permitiu enxergar os aprendizados que vieram com isso, nem enxergar as pessoas, as relações que se desenvolveram a partir disso, compreender como o mundo se transformou a partir dessa experiência.

A dificuldade em aceitar algumas realidades na nossa vida, seja ela uma simples dificuldade de estacionar o carro numa vaga, ou de estabelecer uma brincadeira com nosso filho, nos faz ficar mais longe de uma potencial maneira de regenerar e aprender outros caminhos de aprendizado. E o oposto, quando encaramos essa dificuldade ou desafio tomando as ferramentas que temos, buscando referências e agregando nossas experiências, temos a incrível oportunidade de ressignificar, trazer leveza e descobrir partes de nós mesmos que nem sabíamos que existia. Permitir lidar com as mortes, seja de que natureza ela se apresente, em maior ou menor grau nos traz coragem de desbravar o desconhecido.

Contextualizando a experiência que estava refletindo para digerir e regenerar, ela veio quando eu tinha dez anos de idade e a morte chegou em casa e levou minha irmã, que tinha nove. Ela era linda, especial, companheira… Mas a vida na sua sabedoria achou que o melhor para ela e para nós era que ela se fosse embora desse planeta mais cedo. E tive tanto medo naquela época… Medo porque agora eu tinha um quarto só para mim, mas eu não queria mais dormir nele porque me sentia muito culpada de ter algum dia desejado isso. Medo porque na minha tristeza, não me sentia à vontade para mostrar para os meus pais que eu sofria, porque também via o sofrimento deles e tinha que mostrar que eu era forte… Culpa por ter sido ela e não eu. Mais ainda, por achar que se tivesse sido eu, minha mãe não teria sofrido tanto. Culpa por não ter sido uma irmã boa o suficiente, filha boa o suficiente, enfim todas as cobranças que a mente cria para achar culpados, pela dificuldade de aceitar o que é. Tudo isso que ficou fechado, lacrado dentro de mim, num caixote bem escondido. E não olhar para isso nunca me permitiu reconhecer que eu superei. O quão tudo isso me deixou forte, capaz, resiliente. O quão me ensinou a respeito do valor do tempo, na cura das feridas, o quanto me ensinou sobre superação, sobre valorizar a vida e as minhas relações. Sobre não me permitir que coisas pequenas estraguem meu dia. Sobre ter coragem e encarar o desconhecido… Principalmente, o quão isso me ensinou sobre ser mãe hoje. Quantos aprendizados… Poderiam ter vindo de outra forma? Tenho certeza que sim, mas acredito que se foi assim, tem uma sabedoria Maior da vida que sabia que isso era necessário.

Esses dias, eu vi um conceito de humildade que fez muito sentido para mim: humildade é aceitar as coisas como elas são… E isso não significa que não podemos nos mover para mudá-las. Nesse sentido é um pouco parecido com o conceito de liberdade. Liberdade é poder se expresssar e ser o que é… E aí reflito agora se a humildade de alguma forma não me dá a liberdade de agir com aquilo que aceitei da forma que achar mais adequado. Essa liberdade que nos possibilita essa autonomia mesmo que apenas em algum grau para decidir como vamos usar a experiência a nosso favor.

E mesmo quando conseguimos fazer isso, se ainda retornarmos a essas experiências como uma espécie de referência, podemos descobrir uma super ferramenta de autoconhecimento. Olhar e re-olhar a forma como lidamos com diversos desafios que passamos ao longo de nossa história de vida é uma grande oportunidade de entender o nosso “modus operandi” e também poder descobrir que há uma incrível paleta de possibilidades nesse modo de funcionar. Ele não é fixo como o de um eletrodoméstico… Ele flui e se molda a cada minuto da nossa vida! E essa é uma das belezas dessa experiência da vida! As infinitas possibilidades do ser! É o que nos permitimos quando somos mãe. Abrimos espaço no nosso corpo e coração para receber aquele ser que vem do jeito que ele é. Com humildade. E intencionamos que esse ser a que damos a luz saiba usar a liberdade.

Este texto foi escrito por Danila C.C. Fleury, Mãe da Clara  (4 anos), Farmacêutica, Servidora Pública, Investigadora Autônoma de Autoconhecimento e Brincar e participante do Zum Zum de Mães.
Integrante do Gestar.se
Facebook: @gestar.se
Instagram: @danilafleury