Quando tive minha filha eu já estava junto com meu companheiro há cerca de 12 anos, ele foi meu primeiro namorado, chegamos a ficar um período separados, e depois retomamos o relacionamento que perdura até agora, quase 15 anos.
Sempre tivemos um relacionamento respeitoso, compartilhamos alguns hobbies e paixões em comum como pela literatura, história, música, escrever. Quando fomos morar juntos, curtimos bastante a vida do nosso modo, gostávamos de estar entre casais amigos, e o que realmente nos definia era nosso amor a “nosso cantinho”, nossa solidão, lendo, cozinhando, vendo filmes, séries, vivendo no nosso mundinho particular. Que saudade desse tempo!
De certa forma, mesmo tendo coisas em comum, cada um também tinha seus próprios hobbies e manias, ele sempre dedicou seu tempo livre a sua revista, site e música, e eu aproveitava meu tempo vago pra cuidar da minha aparência física, pra ler livros e minhas revistas de moda e decoração, eu amava ficar vendo a nova tendência ou cor da moda.
Assim era nossa vida, nada nos abalava, vivíamos na “nossa bolha”, curtíamos nossa privacidade, nossa solidão por opção, éramos jovens pouco ambiciosos, muito acomodados na zona de conforto de um relacionamento tranquilo.
Na minha opinião, sempre existe entre o casal aquele que se interessa primeiro, e aquele que se deixa interessar. O que se interessa sempre vai “amar mais” que o outro. No nosso caso, foi meu companheiro que se interessou, e eu acabei gostando da forma como ele me tratava, me agradava, me elogiava mesmo quando estava desarrumada, me enchia de presentes.
Não foi paixão avassaladora nem amor à primeira vista de comédia romântica. Com o passar do tempo, a recíproca de sentimentos foi verdadeira de ambas as partes, vivemos muitos bons momentos juntos e felizes. Não era a relação idealizada perfeita, uma relação estável e real, eu tinha um companheiro que me respeitava e mimava, estava feliz assim.
Mas como nada é perfeito, também tivemos uma fase do nosso namoro que por ciúme e traição acabamos nos separando, o ciúme não justifica a traição, acredito que numa relação ambos são responsáveis. Por tanto tempo juntos, e o carinho um pelo outro, acabamos retomando com mais consciência de que um não era dono do outro, que a confiança era a sustentação de qualquer relacionamento.
Quando resolvemos morar juntos, foi justamente como uma decisão para acabar com a distância que já havia desgastado nosso relacionamento de tantas formas. Resolvemos fazer um teste que acabou dando certo. Estando juntos na mesma casa, restabelecemos a nossa confiança, e voltamos a viver em harmonia.
Minhas brigas com ele eram sempre sobre coisas banais, era sobre o tênis jogado na sala, sobre eu “ter de pedir” para fazer alguma demanda da casa, e ele às vezes me falar que no tempo dele faria. Eu não conseguia respeitar o tempo dele, pois essa atitude me tirava do meu lugar de controle, e eu autossuficiente como era, muitas vezes resolvia fazer tudo sozinha pra ter o controle de tudo na hora que eu queria, e claro, reclamar dele depois.
Eu reclamava entre amigas dessas posturas, falando mal dos homens, do quanto eles eram mimados, folgados e acomodados, apesar do meu parceiro ser muito ativo e não ser nem metade disso, uma vez ou outra que ele não fazia algo ou quando eu achava que não tinha feito “bem feito”, eu me sentia injustiçada. Pensava que a divisão tinha de ser igualitária, e a vida acabava se tornando uma competição. Quem fazia mais, era melhor que o outro, e quem fazia menos, era pior. Claro, que muitas vezes, eu me achava superior. Hoje vejo o quanto isso dizia mais de crenças limitantes minhas relacionadas aos homens como herança do patriarcado, do que da real atuação do meu companheiro.
Então, nossa filha nasceu, e os direitos iguais entre homens e mulheres que já falava alto pra mim, gritou, e a balança que na minha cabeça tinha que sempre estar equilibrada, senti que “pendeu totalmente pro meu lado”. Além das demandas da casa e comida que por muitas vezes eu assumia para ter o controle, ou seguindo os padrões da minha criação de que mulher que arruma a casa e cozinha, e o homem provê financeiramente e descansa, mas dentro de uma estrutura onde a mulher não trabalhava fora porque dentro da estrutura do nosso relacionamento onde os dois trabalhavam fora, ter um bebê dependente de mim vinte quatro horas por dia, me tirou o chão. Antes, eu dava conta sozinha, e ficava na minha superioridade, reclamava de vez em quando, mas não tinha maiores conflitos no relacionamento, e ia tocando. Mas com a chegada daquele bebê, tudo mudou. Eu não dava mais conta.
No começo, eu não tinha mesmo condições físicas de fazer nada, sou grata por ter contado com a ajuda da minha mãe, algumas vezes da minha sogra, e meu companheiro fazia o que ele podia, da forma que podia.
Depois que fui me recuperando, a “autossuficiente em mim” começou a reclamar que as coisas da casa feitas por ele, não estavam bem feitas, procurava motivos pra brigar.
Até o fato do bebê só se acalmar comigo – a mãe, eu achava equivocadamente que era porque meu companheiro não “assumia seu papel de pai”, por isso nossa filha queria ficar comigo o tempo todo, me sufocando. Como eu mencionei no meu texto anterior, eu nunca tinha ouvido falar sobre puerpério, sobre fusão emocional, exterogestação, sobre a criança se perceber nos primeiros meses de vida como uma extensão da mãe e continuar a espelhando emocionalmente por alguns anos a seguir. O que me restou, foi achar culpados pra tanta bagunça emocional, e obviamente que acabou respingando sobre a pessoa mais próxima, meu parceiro.
É claro que ele tem os defeitos dele, assim como eu tenho os meus, mas o filtro pelo qual eu o julgava era poluído de emoções embaralhadas, falta de informação, falta de autocuidado, falta de empatia, crenças limitantes de gêneros, crenças equivocadas de uma revolução feminista que pedia direitos trabalhistas iguais, e não direitos iguais dentro de uma estrutura familiar. Porque não, homem e mulher nunca poderão ser iguais dentro de uma família, o feminino abrange coisas que o masculino não, e vice-versa, e entender isso e me reconciliar com meu feminino dentro da minha família também está fazendo parte dos meus processos internos. Eu só consegui enxergar as coisas como elas realmente eram, e não como eu as imaginava, após terapias, o mínimo de autocuidado, e estudar muito. Muitos livros foram de grande valia nesse processo, eles sempre foram meus companheiros de viagem, e se tornaram meus grandes conselheiros.
A demanda só aumentava, trabalhar fora, fazer jornada dupla, e ainda lidar com a culpa de toda essa situação ficou pesado demais. Eu me culpava, e culpava meu companheiro por todo o caos que estávamos vivendo. Quando minha filha completou perto de um ano, eu comecei a pensar que já que eu tinha que “cuidar de tudo sozinha”, que melhor fosse a separação. Que aí sim, eu faria tudo sozinha, do meu jeito, e assumiria o peso de realmente estar sozinha com um bebê, porque esse era o sentimento confuso que eu apresentava em relação ao meu companheiro. Também começou a passar pela minha cabeça pensamentos de que eu merecia uma relação de contos de fada quando a minha nunca tinha sido, e agora então, estava péssima.
Esse é o momento do texto de esclarecer que a realidade não era assim como eu pensava e como descrevi acima, que eram essas as minhas percepções equivocadas, ego-ístas, minhas projeções decorrentes da minha profunda angústia puerperal, meu reforço às minhas crenças infantis de que eu tinha que fazer tudo sozinha, que eu tinha que dar conta de tudo sozinha… depois descobri também se tratar de uma espécie de depressão pós-parto.
O clima de tensão entre nós só piorava a cada dia, a presença de um já irritava o outro, eu ficava com raiva dele quando ele estava dirigindo e fazia qualquer comentário sobre o trânsito, impulsivamente corrigia quase tudo que ele falava ou fazia com nossa filha, e brigávamos na frente dela. Minha falta de autoconsciência era tanta que isso pra mim se tornou o normal, achava que minha filha tinha que se acostumar com as brigas, afinal o senso comum nos dizia para não poupar nossos filhos pois a vida é dura, deixar que aprendessem desde cedo, e quem não consegue ver a sua própria bússola interna segue o senso comum, que diz daquilo que fazemos sem questionar o porquê. Mas claro que não me sentia feliz com isso.
Então descobri e comecei a estudar sobre educação não violenta, sobre criação com apego, e minha cabeça ferveu mais ainda, a culpa aumentou e os desentendimentos com meu companheiro, pois queria aplicar aquelas premissas na criação da nossa filha à risca, e queria impor para ele que lesse mais a respeito e fizesse igual. Ledo engano o meu… achar que aplicaria uma educação não violenta, quando o clima da minha casa era de uma total violência, ainda que sutil, entre meu companheiro e eu.
O estopim foi quando a minha filha teve pneumonia, e um dos significados dessa doença segundo a psicologia é falha na comunicação associada ao medo da morte. Sobre o medo da morte, abordarei oportunamente em outro texto, pois foi algo muito impactante pra mim.
Sobre a comunicação, eu e meu companheiro não conseguíamos trocar uma palavra sem brigar, e nossa pequena absorvendo tudo isso. Creio que nossos filhos não adoecem por acaso, e que cada doença traz um aprendizado específico para nós pais. O meu especificamente, foi um chamado para olhar pra mim mesma e toda essa situação.
Depois que ela adoeceu gravemente que pela primeira vez consegui enxergar que nós precisávamos de ajuda profissional. Foi quando fizemos osteopatia pediátrica na nossa filha, e começamos um tratamento de Microfisioterapia com ela e comigo, que se estendeu a toda família, e que nos ajudou imensamente a ter mais consciência do que estava acontecendo.
Me encontrei também com um Programa de Alinhamento do Feminino e Masculino Internos, com a Clarissa Yakiara, que me trouxe tantos insights, tantos “tapas na cara”, e me fez tirar a máscara da autossuficiente e superior dentro de um relacionamento. Enxergando que tudo, ou quase tudo, se tratava de projeção minha sobre meu companheiro, vendo que aquilo que me incomodava nele, também dizia sobre mim.
Que as posturas que eu criticava dele, eu também as tinha, em menor ou maior grau. Muitas em maior grau, e eu não enxergava. Que somente assumindo a postura de autorresponsabilidade e co-responsabilidade pela relação estar no patamar que estava, assumindo a minha contribuição e minha parcela de culpa pelo relacionamento ir de mal à pior, algo poderia mudar.
Sem ajuda profissional, acho que eu não teria conseguido continuar no relacionamento, ou se tivesse continuado estaria vivendo num verdadeiro campo de batalha. Atualmente, eu e meu companheiro estamos nos refazendo enquanto casal, estamos enxergando mais um ao outro, e isso aumentou a empatia e o respeito na nossa família.
A primeira coisa que me fez mudar dentro da relação foi a minha auto-percepção, assumir meus erros com autorresponsabilidade, sem querer justificar minhas atitudes erradas em razão das atitudes erradas do outro, reconhecer que eu também tinha culpa da relação decadente que estava inserida.
Que da mesma forma que eu contribuía para a relação estar indo mal, eu podia contribuir para ela melhorar. Não com grandes gestos e nem rapidamente, mas com pequenas atitudes diárias, por exemplo “mordendo a língua” para evitar uma briga e engolindo o orgulho em prol da harmonia daquele momento. É claro que não é fácil, nem simples, mas se não começamos nunca, nunca melhora.
Fui desconstruindo as minhas crenças em relação a rotina da casa e alimentação, de que existe jeito certo pra arrumar isso ou aquilo, que a casa tem que estar arrumada sempre, que temos que comer brócolis todos os dias, que o único doce da criança tem que ser a uva passa religiosamente até os três anos, pois sempre que saia dessa linha era razão de briga e sofrimento pra mim.
Quebrei o paradigma de que tinha que dar conta de tudo e que meu companheiro era obrigado a me ajudar nessa missão e dividir as tarefas comigo matematicamente em todo o tempo, e a rigidez da rotina e da relação foi se suavizando. Percebi, por exemplo, que eu competia com ele em relação a descansar, eu ficava com raiva dele quando ele descansava enquanto eu estava acordada e fazendo as coisas que “tinham que ser feitas”, mas na verdade eu vi que não se tratava de quem descansava mais, e sim do quanto “eu não me permitia descansar”. E projetava nele essa raiva, que era muito mais de mim do que dele.
Abandonei a minha crença do relacionamento de contos de fadas, e passei a fazer força pra enxergar as coisas boas que sempre foram tantas na minha relação, as qualidades do meu companheiro que sempre prevaleceram sobre os defeitos, enxergar nele com olhos menos julgadores a pessoa de bem, que sempre me respeitou, me tratou com carinho, zelou pelo meu bem estar e de nossa família, o pai incrível que ele sempre se esforçou e se esforça pra ser.
Essa ilusão de relacionamento perfeito tem que cair por terra pra começarmos a olhar pro relacionamento real, possível, entre dois seres humanos falhos que dão o seu melhor pra fazer algo dar certo. Continuamos tendo problema, mas parei de criar falsas expectativas. Dessa forma, consigo olhar pro ser humano ao meu lado, que também está ali lidando com as dores dele e dando o que ele tem pra dar. Dessa forma, consigo exercitar a empatia.
Acima de tudo, eu tive que olhar pra mulher em mim além da mãe e da esposa, pra toda vida que deixei pra trás, e devagar fui me permitindo fazer programas sozinha, passei a frequentar um grupo de sagrado feminino mensalmente que me ajuda a olhar pra essa mulher. E o mais difícil, sem culpa. Acho que esse me permitir viver de novo sem culpa foi o que mais me reconectou a mim mesma, e ajudou a me reconectar com meu companheiro. Senti na pele, que se conectar com o outro quando estamos desconectados de nós mesmos não dá certo, essa conta não bate nunca!
Como não doer em nós quando o companheiro sai pra jogar bola com os amigos, se não nos permitimos fazer nada por nós mesmas sem ficar se remoendo por nosso filho que ficou “sozinho” com o pai e comeu pizza no jantar? Como saber se há vida de casal após a maternidade, se nos achamos tão egoisticamente essenciais na vida dos filhos ao ponto de não podermos sair pra jantar sozinhos uma vez e deixar o filho com alguém de confiança?
É verdade que a chegada dos filhos coloca uma relação em xeque, é nesse momento que descobrimos se realmente queremos estar com aquela pessoa ou não, pois a demanda emocional e mudança na estrutura da nossa vida toda e da família, coloca tudo de pernas pro ar.
Acredito que ir ou permanecer é amar, amamos o quanto podemos, e da forma que podemos. E isso requer uma escolha. Sem escolha não há liberdade.
Se escolhemos ir é uma forma de amar a nós mesmos e ao outro, pois ficar sem disponibilidade de mudar é uma prisão de inocentes. Ir demanda coragem e é um processo que não se desenha da noite pro dia.
Ficar é uma forma de reconhecer a nós mesmos no outro, e isso também é amor. Também é necessária muita coragem e decisão firme para olhar para o outro como uma oportunidade de mudança, para resgatar e refazer uma relação pós filhos. Mas eu tenho conseguido diariamente, e digo que é possível sim, mesmo que em alguns dias eu não consiga, lembro da minha decisão de escolher ficar, e sigo. Pra mim tem sido uma experiência desafiadora e gratificante, que tem valido muito a pena!
NATALIA CAMILA DA SILVA
32 anos, mãe da Olívia de 3 anos, Participante da Turma 5 do Zum Zum de Mães, Funcionária Pública, Gestora de Recursos Humanos, adepta do Sagrado Feminino. Escreve para elaborar suas emoções, só de escrever se sente mais leve e mais inteira.
IG: natycamila87