“No parque, a mãe grita com a Filha:
– Feche as pernas para brincar.
-Mãe, mas eu estou vestindo calças!
-Não importa, comporte-se como uma menina.
Em casa, a esposa senta no sofá e o marido diz:
-O que você está fazendo nesse celular?
-Nada, estou apenas descansando um pouquinho.
– Você disse que tinha tanta coisa para fazer!
No trabalho, a operadora de telemarketing diz ao chefe:
-Pensei que seria promovida, por merecimento.
-Por acaso você me enviou relatórios de desempenho, demonstrou opções de incremento financeiro ou marcou reunião?
–Não, achei que poderia incomodá-lo.
Eis um recorte do cenário brasileiro. No ar ainda paira a opressão do feminino, feito um pássaro sombreiro.
Achar culpados, esse não é o intento. O tempo se encarrega de encontrar as armadilhas dos nossos moinhos de vento.
É que profundas são as raízes e mordaças da nossa alma de mulher ao relento.
Deixar de ser tabu, talvez seja o primeiro passo. E aceitarmos os rastros da nossa história para darmos um novo enlaço.
Era uma aristocracia rural, escravista e patriarcal.
O homem como chefe da família, mandava na comunidade, na cidade, no país. A mulher como propriedade do marido era uma serviçal da casa e dos filhos, travestida de dona da casa. Não tinha voz, não tinha anseio, seus direitos eram ditados por um sobrenome alheio.
Prazer no sexo? Quiçá às prostitutas, astuto era o marido, que tinha direito de estuprar a esposa e satisfazer sua libido na rua.
A domesticação começava desde cedo, para evitar qualquer desassossego. Aos meninos: bola, carrinho, grama, rua
(liberdade), às meninas: boneca, panela, vassoura, casa (prisão).
Isso explica nossa vida nesta panela de pressão. É sentimento que borbulha e respira repressão.
Eis o desemboco de uma encruzilhada. Um pouco do que explica nossa cilada.
Por isso os homens estão sempre em busca do poder, na família, nas finanças, na empresa, na política. Daí vem o “sonho” das mulheres em casa-mento (e o desespero dos homens em casa-mento). Daí vem o medo que as mulheres têm dos homens, daí vem os limites ao comportamento feminino (roupa, gesto, jeito, visual, nome).
Daí vem a nossa síndrome da Gata Borralheira. Descansar no sofá de casa? Não, não, arrume o que fazer, lave louças, limpe o chão, arrume a cama. Sinta-se ocupada e, por vezes, culpada se resolver cuidar de você.
Vamos sacudir nossa árvore genealógica para que caiam somente os bons frutos? Tenhamos gratidão por nossos antepassados, sim eles fizeram o melhor que puderam. Mas não fiquemos grudados ao passado, sem levar em conta o mal dos pecados de não deixarem um ser humano ter a própria respiração.
Somos mutantes, seres em constante evolução. Aquilo que aprisiona as mulheres de uma sala, mais tarde aprisionará as mulheres de uma nação.
Crianças, Freedom!!!
Abram as janelas e deixem o sol entrar. Brinquem de bola, boneca, carrinho, vassoura. Isso é riqueza de recursos, vivência, descoberta, liberdade de criação.
Tornem-se adultos perspicazes, com inteligência emocional e recursos inventivos.
Meninos brinquem de família. Meninas brinquem de bola. Brinquem do que quiserem. Depois a vida afunila e aquele que vence não é o mais forte, o mais abastado. Vence na vida aquele que entende a descida, mas consegue transitar por todos os lados, sem machucar os pés descalços.
Mulheres sejam demasiadamente humanas!
Não sejam objetos ou santas, aceitem a força que do seu peito emana. Abram essas asas presas há anos, soltem suas amarras pelos quatro cantos.
Homens sejam companheiros, amantes, parceiros, de vocês só pedimos mãos que nos afagam por inteiro.
Saibam que o nosso coração é feito um sino de Belém. Seu badalar só toca direitinho quando os nossos pés flutuam pelo trilho, livremente sem tocarem no chão.
Então, vamos juntos sonhar?
Veja! Aquela mãe no parque.
Parece que ela está dizendo alguma coisa:
-Vá, minha filha, jogue-se e brinque como uma criança.”
Esse texto foi escrito por Lígia Freitas, Mãe do João e Participante do Zum Zum de Mães.
@ligiafreitasescritora
Ilustração: @camisgray