Sobre dar “linha à pipa”: uma reflexão sobre a autonomia! 

Olá!  Hoje eu quero falar com você sobre um tema bastante presente no nosso dia a dia com nossos filhos: a autonomia!

Grande parte das mães que atendo, verbaliza o desejo de que o filho seja independente, que aprenda a “se virar”, que saiba se defender. Na prática, o lidar com o crescimento e desenvolvimento do filho e consequentemente o seu alçar de voos, se mostra muito mais complexo e bastante controverso. Não raro, tenho observado uma cultura do medo, uma proteção excessiva, que por vezes, me causa desconforto: crianças presas em seus apartamentos; escolas, que não permitem que seus alunos, nem ao menos, no momento de “recreio”, possam correr, brincarem, expressarem-se livremente.

Nosso discurso, por vezes, se distancia muito da prática: anunciamos que queremos filhos críticos, comunicativos, afetivos e capazes de gerir suas vidas, quando adultos, mas os mantemos distante de nossa convivência no dia-a-dia; buscamos poupá-los das pequenas frustrações, que podem ter, por exemplo, quando perdem num jogo de regras, no picar uma fruta.  Não percebemos, que dessa forma, também evitamos todo o aprendizado que o lidar com esses desafios podem ajudar a construir.

De maneira sutil, muitas vezes, vamos evitando que nossos filhos percebam que feridas podem ser curadas; que erros são humanos e podem ser reparados; que a organização dos brinquedos e do seu quarto, além de ser importante para o cuidado e a participação no espaço familiar, pode ser o início do  perceber-se capaz de assumir responsabilidades.

E por que fazemos o que fazemos?

Exauridos pelo trabalho, encarcerados em nossas próprias preocupações, quando é que olhamos nos olhos, ouvimos com o coração, conversamos, orientamos ou brincamos com nossos pequenos?

Quando é que estamos inteiros e nos permitimos estarmos presentes, sentindo prazer na companhia de nossos filhos?

Quando é que nos sentimos preparados para apoiá-los a desenvolver suas potencialidades e lidar com suas fragilidades?

Que somos seres da contradição, que nos pegamos muitas vezes sentindo, pensando e agindo de formas totalmente dissonantes, não é novidade. Aí reside nossa humanidade!

E a maternidade, é sem dúvida, uma das experiências grandiosas, que nos coloca diante dessas contradições, de nossos próprios “monstros”, nossos medos e “nós” mais intensos.

E, exatamente, com esses desafios, com esses “entraves internos”, que a maternidade nos apresenta, eu acredito que venha a possibilidade de nos questionarmos, de quebrarmos padrões que reproduzimos de forma mecânica, muitas vezes.

A maternidade ao nos confrontar, nos “cospir verdades à cara”, nos traz inquietações e aponta para aquilo que não faz sentido  conosco mesmas e nas relações que vamos construindo.  Ao nos deixarmos nos conduzir “por essas águas nem sempre mansas” podemos encontrar o que realmente desejamos para a educação de nossos filhos e buscarmos compreender o quanto estamos em concordância em nosso sentir e agir.

“A diferença entre o remédio e o veneno está na dose!”

Não é isso que ouvimos tantas vezes em nossas famílias?! Pois é, a minha vivência pessoal e troca com outras mães validaram essa frase para mim!

Por isso, eu tenho compreendido cada vez mais que, a disponibilidade para olharmos para nossas dores internas, para compreendermos a maneira como exercitamos nossa própria autonomia e o modo como vamos construindo nosso espaço de convivência, as regras em nossas casas, com nossos pequenos será uma importante bússola para nos orientar nesse caminho do limite de forma amorosa. No encontro da “nossa dose” entre apresentar possibilidades e o cuidar! Entre o proteger e o superproteger! Entre o reprimir e o permitir experimentar o mundo!”

A nossa auto-observação, o mergulho em nossas vivências  poderá nos trazer clareza acerca de nossas relações com nossos filhos e sobre como essas ações nos aproxima ou não daquilo que desejamos para o desenvolvimento da independência de nossos filhos.

Uma vivência curativa

Há algum tempo, meu filho, então, com seis anos, foi com os colegas da escola, ao seu primeiro acampamento: três dias fora de casa! A despeito dos dias que antecederam terem sido recheados de conversas, treino ao banho, organização dos próprios pertences (…) um misto de alegria, orgulho, receio e insegurança se fez presente em nosso contexto familiar naqueles dias.

Ainda por essa ocasião, várias mães, colegas que têm filhos da mesma idade, me disseram que não “teriam coragem” de deixar seus filhos experimentarem essa aventura! Sentia nessas falas pitadas de reprovação, insegurança misturadas à certa inveja e até solidariedade. Como mexe conosco “a saída da cria de nosso domínio!” Confesso que chorei, à noite! Que desejei receber um telefonema pedindo para buscá-lo! E, me alegrei, também, ao vê-lo espontâneo e sorridente nas fotos que recebi!

A experiência, sem dúvida, me trouxe transformações verdadeiras, permitindo-me olhar para minha condição de mãe de um garotinho arriscando-se em seu primeiro “voo solo”. Tive a possibilidade de perceber o quanto ele tinha se desenvolvido e como suas necessidades eram de poder ampliar sua conexão com outras pessoas.

Assim, me permiti pensar e sentir a respeito da autonomia, nos modos como a independência interna vai sendo constituída. Pude revisitar as minhas primeiras saídas sem meus pais, o medo sentido,  a insegurança frente ao novo e a sensação incrível de liberdade, do “eu dou conta!”.

“Linha à Pipa”

A experiência com meu filho me fez pensar na alegoria do aprender a “dar linha à pipa”. Sim, as coloridas, alegres e aventureiras pipas nos ensinam muito: se as deixamos muito soltas ou não cuidarmos de suas linhas, podem desaparecer na imensidão azul…por outro lado, se não nos arriscarmos a dar-lhes linha, se tivermos medo de perdê-las, sequer vamos arriscar soltá-las; não vivenciaremos a festa intensa que podem fazer lá em cima!

Os voos que nos são permitidos ou negados, na infância; o incentivo que recebemos ou não; a confiança que aos poucos nos vai sendo depositada, certamente é parte edificante do como nos vemos, de nossa segurança interna, do quanto nos permitimos tentar, ousar, lidar com o erro…

Ao olharmos para nossos pés, para a caminhada que percorremos através de nossa história temos a oportunidade de nos conhecermos, de percebermos nossas forças e nossas possibilidades, bem como, os desafios que fomos capazes de enfrentar. Assim, entendo que podemos olhar, também, para a nossa contribuição, o nosso modo de apoiar os “voos” de nossos filhos.

Entendo que não se trata de nos olharmos com dedos acusatórios, caso nos vejamos muito distantes do que desejamos para a independência dos filhos.  Podemos escolher, sim, olhar para os passos que podemos dar na direção que sonhamos; nos permitindo sentir, experimentar e aprender na caminhada lado a lado com nossos pequenos.

A partir dessa nossa conversa, eu gostaria de te perguntar: 

Quanto você tem se permitido arriscar em busca de seus sonhos? Quais lembranças você tem sobre seus primeiros passos “fora do alcance dos olhares de seus pais?” De que forma isso pode interferir no modo como você lida com a independência do seu filho?

Ao olhar pra seu interior e se permitir esses questionamentos, eu acredito que você poderá encontrar muitas das respostas ao modo como encara o desenvolvimento de seu filho, às pequenas frustrações que ele enfrenta; os voos que realiza e às conquistas que alcança!

 

Texto de autoria de Andréia L. Rafael Quintelia – Psicóloga, coach de mães e participante do Zum Zum de Mães. Se você quer conhecer melhor meu trabalho, me acompanhe no Instagram: @andreiaquinteliacoach ou no Facebook: Tecendo Vínculos. Você pode, também, entrar em contato, através do cel (11) 971823324.