De 01 a 07 de agosto de 2018 aconteceu a Semana Mundial do Aleitamento Materno (SMAM). É uma semana de incentivo, informação e apoio à amamentação. Pra continuar no clima, resolvi escrever sobre o tema, o qual ainda gera muita polêmica, muitos julgamentos e muita falta de empatia.
Eu mesma já julguei.
Antes de ser mãe julgava a amamentação prolongada, achava horrível um bebê grande, com mais de um ano, mamando. Hoje, tenho consciência que este julgamento veio da minha criança ferida, que foi desmamada às pressas. Quando eu tinha apenas 6 meses minha mãe engravidou novamente, e a orientação que ela recebeu do seu médico foi desmamar. Ela fez o que de melhor podia ter feito, com a consciência que tinha naquele momento. Há 35 anos, era prática comum receber esta orientação. E hoje, infelizmente, também é. Mas graças a Deus existem alguns raros médicos que orientam a seguir com a amamentação durante a gravidez (o meu é um deles). Além disso, temos muito mais acesso à informação.
Quando estava grávida, julguei novamente. Depois de tudo que eu tinha lido, não fazia sentido para mim, uma mãe dizer que não tinha leite, ou que o leite era fraco. Para mim, essas mães é que eram fracas, afinal de contas, amamentar é fisiológico, não é mesmo? Até que Laís nasceu e eu entendi. Por vezes achei que não tinha leite suficiente, que meu leite era fraco, e que eu mesma era fraca. Por medo de minha filha estar passando fome, por quase dois meses complementei a amamentação com leite artificial. Chorei inúmeras vezes, me culpei… mas tive apoio, fui atrás de ajuda e de mais informação. Hoje, quando vejo uma mãe que não conseguiu amamentar, ou mesmo que optou por não amamentar, consigo entender todas as dificuldades que a mesma deve ter passado, a falta de apoio e de informação. E indo um pouco mais a fundo, logo fica evidente que esta mãe também não foi amamentada.
Hoje, com toda informação que tenho, consigo olhar para trás e entender as reais causas pelo que passei. Tanto que a amamentação do meu segundo filho foi e tem sido extremamente mais fácil!
Mas não quero falar aqui sobre este fato. Talvez em outro momento, caso haja interesse, eu escreva a respeito dos desafios que vivi no início da amamentação, como superei, e o que aprendi.
Hoje, quero partilhar com vocês sobre uma experiência nada agradável que vivi, e que pra mim foi muito mais intensa e dolorosa, a “Perturbação da Amamentação”. Acredito que poucas de vocês já tenham ouvido sobre isso. Eu mesma nunca tinha ouvido falar, até que senti, não só na pele, mas no corpo todo, o desconforto que a tal perturbação trás.
Como o próprio nome sugere, é um estado de desordem, desequilíbrio, confusão, durante o ato de amamentar.
É difícil descrever em palavras, é como se fosse uma rejeição do corpo à amamentação. Conscientemente a mãe quer amamentar, mas o corpo não. É uma sensação estranha, visceral, incontrolável. Pelo menos comigo foi assim. O que mais me deixava “perturbada” era não entender a razão pela qual eu sentia este desconforto apenas ao amamentar a Laís. Com o Gael tudo fluía bem. Isto me destruía, pois eu sabia que era um momento que Laís estava precisando de mim. Eu não queria sentir nada daquilo, mas eu não tinha o controle… Tinha medo de fazê-la sofrer com o desmame, mas ao mesmo tempo eu a estava fazendo sofrer com minha irritação e agressividade. Os momentos de prazer se transformaram em momentos de terror e admitir isso era o mais doloroso. Hoje, consigo entender que não era nada particular com relação a minha filha, era só meu corpo me mostrando que algo diferente precisava ser feito.
Muitas mães passam pela perturbação e não sabem. Sofrem sozinhas com a culpa por tudo que estão sentindo. Algumas sentem mais de leve, outras de forma mais intensa e chegam a ficar agressivas com seus filhos. Por isso, é importante entender os sintomas, buscar ajuda.
Estão mais propensas a sentirem os desconfortos da perturbação da amamentação as mães que:
– amamentam estando grávidas;
– amamentam em tandem (2 filhos com idades diferentes)
– praticam a amamentação prolongada.
Se você faz parte de algum destes grupos, fique atenta. Não hesite em pedir ajuda. Conversar com alguém que você confia faz toda diferença.
Quando descobri que estava grávida do Gael, Laís tinha 1 ano e 7 meses e ainda mamava em livre demanda sempre que eu estava por perto. Mesmo com muito palpite alheio dizendo que eu deveria desmama-la, resolvi seguir com a amamentação. Eu amava amamentar, ela amava o tetê. Sempre quis que ela mamasse pelo menos até 2 anos, e até já me imaginava amamentando dois, conforme já partilhei com vocês no texto “A maternidade como oportunidade de autoconhecimento” . Além disso, tudo estava indo bem na gestação e amamentação, e não achava justo cortar este vínculo com a Laís neste momento. Para mim, eu precisava estar mais próxima e mais conectada com ela para poder prepara-la para a chegada do irmão. E assim seguimos…
Entretanto, comecei a sentir os seios mais sensíveis, um leve desconforto ao amamentar, um pouco de dor no bico. Graças a Deus nada muito intenso e preocupante. Meu obstetra já havia comentado que era normal os seios ficarem doloridos, que esta sensibilidade poderia passar ou se estender por toda a gravidez, mas que não era impeditivo para continuar a amamentação. Apenas se houvesse algum sangramento, ou eu sentisse cólicas e contrações durante o aleitamento, o desmame seria recomendado.
Eu não queria desmamar, porém comecei a ficar incomodada com a quantidade de vezes que Laís mamava durante o dia. E na tentativa de encontrar uma solução que amenizasse este incomodo, me coloquei como observadora da situação. Percebi que muitas vezes não era ela quem pedia o tetê, era eu quem oferecia. E nas vezes que ela pedia, o que ela queria na verdade era se conectar comigo, era minha atenção, pois sabia que, a hora do tetê, era um momento exclusivo só nosso.
Diante desta constatação, passei a me policiar para não mais oferecer. Lógico que não foi tão simples assim, muitas vezes lá estava eu tirando o peito para fora sem ela solicitar. Nos momentos que eu percebia que ela vinha pedir pra mamar, eu oferecia o meu carinho, meu colo, meu amor… e aos poucos ela foi diminuindo as mamadas, até que ficamos apenas mamando para dormir, e as vezes ao acordar.
No dia após ela completar 2 anos, foi a primeira vez que ela dormiu a noite sem tomar tetê. Nem sei explicar a sensação. Felicidade misturada com uma angústia, abandono. Percebi que eu ainda precisava trabalhar muito minha mente para efetivamente poder desmamar.
Com 2 anos e quase 2 meses, pela primeira vez eu dormi duas noites longe da minha pequena. Fui participar de um congresso de Coaching e minha mãe veio ficar em casa com Laís. Eu estava desesperada pensando como ela ia dormir sem o tetê…e ela dormiu. Quando retornei da viagem, retomamos nossa rotina de tetê para dormir.
Era já o último mês da gestação, o desconforto passou a aumentar, mas ainda tolerável. Todavia, após o nascimento do Gael, a perturbação veio com tudo. Eu já esperava que provavelmente a Laís iria sentir a chegada do irmão e solicitar mais tete do que o habitual. De fato isto aconteceu e graças a Deus foi menos do que eu imaginava. Mas a perturbação estava lá, crescendo, me tirando do eixo… e eu nem sabia que ela existia.
Eu deitava para amamentar a Laís, a abraçava…mas logo vinha o desconforto, o incomodo, a vontade de parar, de tirar ela do meu peito…Cinco minutos pareciam uma eternidade. Meu peito doía, e doía por dentro, por não querer sentir o que eu estava sentindo. Eu amava Laís, queria amamenta-la, mas ao mesmo tempo não queria. Me irritava, me perturbava. E por várias vezes gritei com ela, segurei forte em seu bracinho, a fiz chorar. E depois era eu quem ficava em prantos, pois não conseguia entender o que estava acontecendo. Eu, que condenava a violência e agressividade, por várias vezes fui violenta e agressiva com minha pequena.
Eu não queria pensar em desmame, pois a Laís mamava poucas vezes ao dia (a noite para dormir, quando acordava de madrugada, de manhã as vezes ao acordar, e para a soneca da tarde), e as vezes em 2 minutos no peito ela já dormia. Não parecia justo com ela, sabe? Mas por outro lado, se a mamada durasse mais que cinco minutos, eu começava a sentir aquele monte de coisas ruins que eu não queria sentir, começava a ficar agressiva. Me questionei: Eu estava sendo justa comigo? E até que ponto a amamentação estava sendo positiva para a Laís, considerando que várias vezes eu começava a brigar com ela? A solução seria desmamar. Mas algo dentro de mim me incomodava e eu não conseguia tomar esta decisão.
Compartilhei esta angustia com uma grande amiga que conheci no Mama Bee, a Luciana, que faz parte da maravilhosa rede de apoio do ZumZum. A Lu me fez várias perguntas que me ajudaram a refletir e me apresentou alguns textos sobre amamentação prolongada e desmame, em um dos quais falava sobre a Perturbação da Amamentação. Foi então que entendi o que estava acontecendo comigo. Era meu corpo dando sinal que estava na hora de desmamar…por mim, por Laís e por Gael.
Não foi fácil tomar a decisão do desmame. Precisei de ajuda (terapia) para enxergar que o fato de eu deixar de amamentar a Laís não significava que eu a amava menos. Precisei mais uma vez curar minha criança interior.
Muito ouvimos dizer que, para o desmame acontecer tranquilamente, não basta só a criança estar preparada. Eu sabia que Laís estava pronta, ela já não mamava todos os dias. A grande dificuldade, na maioria das vezes, é a falta de preparo da mãe. No meu caso, eu não estava pronta.
Entende-se aqui, como falta de preparo da mãe, a necessidade de cura. Assim como para amamentar, para desmamar também precisamos estar preparadas, curadas, inteiras… Mais uma vez a maternidade nos convidando a olhar para dentro.
Com a terapia, consegui perceber que estava querendo compensar com a Laís a pouca amamentação que eu tive. Além disso, inconscientemente, estava querendo mostrar para minha mãe que era possível ela ter mantido a minha amamentação mesmo estando grávida. É uma loucura a gente a gente se dá conta disso…coisas que aparentemente para mim estavam bem resolvidas. Doeu quando trouxe para o consciente esta constatação, ao mesmo tempo, foi libertador. Conforme já comentei, minha mãe fez o que de melhor ela poderia ter feito com as informações e consciência que ela tinha naquele momento. Por isso honro, respeito e sou grata a cada gesto dela.
Tomada a decisão do desmame, coloquei em prática três ações que foram fundamentais para que de fato o processo ocorresse de forma tranquila e gentil.
– Todas as noites, durante o sono REM da Laís, eu falava para ela: “Filha, você é muito amada e querida. Você já mamou o suficiente, o bastante. O Tetê agora é do seu irmão.”
– Durante o dia, conversava com ela que o leitinho agora era do irmão, que ela já tinha mamado bastante, que ela sempre mamou muito, que ela teve o privilégio de ter o tete só para quando nasceu. Falava também que ela estava crescendo e que agora não precisava mais de tete, pois ela já comia de tudo e tomava leitinho no copo de manhã. E além disso, quando ela quisesse um carinho ou um colinho da mamãe era só pedir que eu estaria disponível.
– Sempre que eu me lembrava, várias vezes ao dia, fazia Ho’oponopono pedindo para o Divino Criador limpar em mim todas as memórias referentes à minha amamentação e ao meu desmame que eu compartilhava com minha filha. (Que ferramenta! Tenho feito e os resultados tem sido maravilhosos e transformadores em várias áreas da minha vida!)
Foram aproximadamente 3 meses, desde que coloquei em prática essas três ações diariamente, até que o desmame ocorreu. Neste período, tiramos a soneca da tarde, e deste modo, a noite o sono chegava rapidinho. Algumas vezes, enquanto eu fazia o Gael dormir, meu marido deitava com Laís e contava histórias para ela, até que ela adormecia sem o tetê. Outras vezes, ela resistia e ficava me esperando, mas quando eu chegava, com 5 minutos de tetê já dormia. Fazíamos alguns combinados: mamar até eu contar até 10, ou eu colocava 5 minutos no cronômetro e quando apitava ela tinha que parar. No começo, quando eu percebia que ia demorar mais para ela dormir, eu aumentava o tempo no cronômetro sem ela perceber, ou contava bem devagar, tudo conforme o meu limite. Quando chegava a hora de terminar, ela pedia para ficar com a mão no meu peito, e ficava fazendo carinho até adormecer. E eu chorava em silêncio, olhando-a dormir…chorava de gratidão, por ela estar sendo um canal de cura na minha vida.
Dormir sem o tetê já estava sendo mais fácil. Sempre que ela dormia sem o peito, no dia seguinte eu a lembrava e mostrava como ela era capaz de dormir sem, fazia com que ela se sentisse orgulhosa por ter conseguido.
Mas as madrugadas ainda eram desafiadoras. Laís, desde aproximadamente 2 anos, já dormia a noite inteira, mas com a chegada do irmão, voltou a acordar de madrugada uma ou duas vezes. E nestas acordadas não tinha jeito, ela queria o tetê. Foi o mais difícil! Muitas vezes coincidia com as acordadas e mamadas do Gael e aí era aquele chororô em plena madrugada. Eu e meu marido estávamos mais vulneráveis também, com sono, por isso era muito fácil sair do centro, perder o controle, brigar… Foram noites intensas, longas. Mas continuei firme no propósito do desmame, sem negar o tetê quando ela solicitava.
Aos poucos, as acordadas de madrugada foram diminuindo, mas ainda assim, quando ocorriam, só o peito para conseguir com que ela voltasse a dormir. Na semana que ela iria completar 2 anos e 7 meses, ela dormiu 3 dias seguidos sem tetê, mas acordou uma vez todas as madrugadas. Na terceira madrugada, porém, eu já estava praticamente com o peito de fora, quando ela me surpreendeu e pediu que eu contasse uma história. Guardei rapidamente o peito, iniciei uma história, a abracei, e logo ela adormeceu. Desde então, nunca mais pediu o tetê.
Para mim esta experiência foi fantástica. Confesso que teve momentos que achei que não ia conseguir desmamar Laís de uma maneira tranquila e gentil. Não esperava que ela simplesmente fosse parar. Após aquela madrugada que ela me pediu para contar história, ainda achei que viriam outras madrugadas e ela voltaria a pedir pelo tetê, mas nunca mais pediu. Hoje, ela as vezes chega perto do meu peito, pede pra fazer carinho, mas não pede para mamar. Eu já perguntei algumas vezes se ela queria mamar de novo, ela sempre diz que não, faz careta, sorri e diz que o tetê agora é do irmão, que ela já mamou bastante quando era bebê e agora não quer mais. Acredito que seja um sinal positivo que o desmame ocorreu na hora certa.
Incrível como o fato de eu conseguir nomear o que estava acontecendo e de decidir pelo desmame trouxe leveza e paz. Durante os 3 meses que segui diariamente com as três ações que já citei, passamos por momentos desafiadores da perturbação, porém de uma maneira mais tranquila e consciente. Eis um grande aprendizado para todas as questões da nossa vida, entender o momento pelo qual estamos passando e decidir. Para mim, tomar decisões sempre foi algo muito difícil, medo de optar pelo errado, medo de decepcionar e magoar as pessoas que amo. A maternidade tem me ensinado que decidir é fundamental para quem quer uma vida com mais sentido. Não dá para ficar em cima do muro e “deixar a vida me levar”. Quando tomamos uma decisão, sabemos o que tem que ser feito, e aí é só ir lá e fazer. Tudo fica mais simples.
Para finalizar, quero deixar claro que nem todas as mães que passam pela perturbação precisam necessariamente desmamar. Muitas vezes, o simples fato de reduzir as mamadas já alivia, ou mesmo elimina a perturbação.
Há de se entender todo o contexto pelo qual a mãe esta passando, entender sua história, suas limitações, suas vontades… só assim é possível tomar uma decisão entre continuar ou não a amamentação. E neste momento, toda ajuda é bem vinda. Processos de Coaching e Terapia auxiliam bastante nesta tomada de decisão. No meu caso, eu optei pelo desmame.
Tenho orgulho da história de amamentação que Laís e eu vivemos. Espero que ela também se sinta orgulhosa. Agora, sigo escrevendo a história de amamentação com o Gael.
Texto escrito por Amanda Balielo, Mãe da Laís e do Gael, Coach de Mães e participante da turma 4 do Zum Zum de Mães.
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