: Mães do Zum Zum
Minha filha já tinha mais de um ano de idade quando eu li o seguinte trecho da obra da Laura Gutman “A maternidade e o encontro com a própria sombra”: “Prevalece, também, a intenção de evitar a dor, embora ‘dor’ seja diferente de ‘sofrimento’. O sofrimento é padecido quando a mulher se sente só, desprotegida, desamparada, humilhada ou acha que não está fazendo o correto. Quando se está em posição dorsal (deitada), com soro (que não permite que se levante da maca nem se vire), ouvindo as pulsações do bebê amplificadas e tentando adivinhar o que significa a expressão do obstetra ou da parteira depois de cada toque.” Eu simplesmente fechei o livro, chorei e demorei um tempo pra voltar novamente naquela página…
Considero que minha gravidez foi ótima: atividade física cinco vezes por semana, nada de enjoos, nada de intercorrências, esperando a hora da minha filha. Desde o primeiro instante, eu decidida: parto normal.
Havia só um detalhe: assim que descobri que estava grávida, com 6 semanas de gestação, tive que me mudar de cidade, deixando para trás o meu médico de confiança, defensor do parto normal. Chegando ao meu destino eu me consultei com alguns médicos e a minha primeira pergunta era: qual a sua experiência com partos normais? Encontrei um profissional em que confiei e continuei meu pré-natal, linda e contente.
Mil e duzentos quilômetros depois da minha cidade e exatamente 40 semanas mais tarde (bem na DPP), a Olívia deu o primeiro sinal: lá vem a minha bebê!!!
As contrações iam se intensificando e eu calma, muito tranquila: fiquei em casa, tomei um longo banho, tirei o esmalte das unhas… Até meu marido quis se embelezar: ‘Dá tempo de fazer a barba, amor’… ‘Claro! Está tudo sob controle.’. Até aqui eu sentia só dor, nada de sofrimento.
Cheguei no hospital com 7 dedos de dilatação e já pensei ‘Que boa notícia. Estou indo muito bem’. As contrações aumentando, muita dor e eu forte: logo fui encaminhada para a sala de parto normal.
Foi quando as coisas começaram a parecer diferentes da minha expectativa: na minha frente aquela maca ginecológica. Não tinha nada a ver com os episódios do Boas Vindas.
Poucos minutos depois estava lá eu deitada naquela posição dorsal, com um caninho nas costas e pernas pra cima. Eu estava me sentindo mesmo de cabeça pra baixo, com a neném entalada na minha garganta. A minha dor era tanta que eu não conseguia reagir a nada: naquela hora eu só pensava em fazer força na hora que ela tivesse que sair.
Já se iam 7 horas de trabalho de parto, 9 dedos de dilatação, eu lá de ponta-cabeça com uma dor de matar, porque parece que a anestesia só fez atrapalhar minhas contrações, a dor que eu sentia era incrível.
De tempos em tempos, o batimento cardíaco da minha filha era escutado por meio de um aparelho manual que parecia um cone de linha de costura… nesta época tecnológica em que existe aplicativo de celular que permite ouvir os sons do bebê, era nisto que eu tinha que confiar.
Até que, depois de uma escuta na barriga, foi minha vez de ouvir a sentença final: “Acabou o seu sonho do parto normal.” Esta frase ainda ecoando na minha cabeça. Eu nem sei o que pensei na hora, provavelmente foi: salvem a minha filha.
Correria e eu ouvindo: ‘Vamos transferi-la para uma sala de cesárea.’ e a resposta da enfermeira: ‘Não tem sala’. Foi tudo lá mesmo: depois de 7 minutos, sangue espirrado na parede e eu sem reação ela já tinha nascido… fora da minha barriga e do meu alcance, eu só disse para o meu marido: “só veja se ela está bem”.
E ela estava ótima!
Eu não lembro o que eu pensei naquela hora sobre a minha situação… depois que ela nasceu eu só queria chegar perto dela, ver se estava tudo bem. Parei de pensar em mim. Aquele tinha sido o meu parto normal. Muita coisa aconteceu naquele dia, mas isso fica pra outro momento!
Eu sentia, sinto sempre sentirei gratidão pelo nascimento da minha filha. Só que alguma coisa tinha acontecido comigo ali naquela sala, eu não sabia o que era, mas eu não era mais a mesma. Claro, eu era mãe. Mas ainda tinha algo a mais.
Somente depois de ter lido aquele trecho que escrevi acima pude perceber o que o parto foi na minha vida: um momento de impotência, humilhação.
Eu me sentindo culpada e fraca. Como eu não pude fazer nada naquela hora? Eu simplesmente não podia. Eu me sentia engessada.
Depois de muito tempo percebi que aquela dor do parto tinha se transformado em um longo sofrimento: por muito tempo eu me senti incapaz de cuidar da minha filha, parecia desorientada, perdida. Minha mãe morando comigo desde o nascimento até ela completar 3 anos. Eram duas que precisavam de colo.
Justo eu que tinha lido vários livros, visto muitos vídeos e falava para todas as gestantes dos benefícios do parto normal, tinha que escutar: ‘Nossa, depois de tanta dor ainda fez cesárea! Deveria ter marcado logo!’ Eu só engolindo. Eu tinha vergonha de mim.
Quem sou eu para analisar ou questionar a conduta dos médicos naquele momento. Não tenho tal técnica e nem coragem: a minha filha é perfeita e saudável. Mas posso analisar a minha conduta, o meu aprendizado.
Nunca me preparei para um plano B. Minha gravidez foi de flores e borboletinhas e não pensava que o parto seria diferente: na minha a cabeça eu seria protagonista de um episódio de programa de televisão. É o famoso meme: expectativa X realidade. Eu não tinha preparado para uma realidade de sofrimento. Eu imaginava a dor do parto, não o sofrimento da humilhação.
Apesar de ter lido, relido e aprendido sobre o parto normal, eu cometi um erro: eu não tinha as pessoas corretas ao meu lado. Ao meu ver, se tem uma verdade nesta vida é que você não vai parir sozinha: que profissional estará ao seu lado? Um médico, uma parteira, uma doula? Essa pessoa tem realmente experiência em parto normal?
Helloooo Suzete: você mora em um país continental onde 57% dos partos são cesáreas (Revista UNICEF n.39, p.9, Março/18)! Muita gente (inclusive eu) difunde, defende e incentiva o parto normal, mas esta é uma realidade na sua vida? Na minha não era! Não era! E eu não tinha me preparado para isto.
Por fim, aprendi que olhar para o meu sofrimento me faz crescer como mulher e como mãe. Escrever este texto, contar a história, falar com as futuras mães me faz entender as consequências do meu pós-parto, explica muita coisa. Por muito tempo eu fiquei com engasgada com tudo, sem entender. Quando eu pude falar, ter contato com outras pessoas que também sofreram, eu percebi que não estou sozinha. Enquanto eu falo eu aprendo a aceitar a realidade, tal como ela é.
Neste ponto, é importante a rede de apoio (mesmo que virtual no Zumzum), a dupla de escuta, ter contato com outras mães: as crises, os problemas, as tristezas não são iguais, mas são bem parecidas e desabafar faz muito bem!
Hoje estou grávida novamente, de 16 semanas: tenho uma gravidez inteira e um parto pela frente. Tudo que eu passei serviu de aprendizado. Hoje, olhando para meu sofrimento, ergo a cabeça e digo: estou aqui para o que der e vier.
Este TEXTO foi escrito por: Suzete Pereira Gonçalves, Mãe da Olívia, de 4 anos e 8 meses e grávida de 16 semanas. Advogada em São Paulo e participante do Zum Zum de Mães!
Instragram: @suzetegoncalves