Camisa de Força

-Vou descer aqui no prédio para fazer ginástica.

Eu disse de maneira afoita e apressada ao meu marido, enquanto caminhava para chamar o elevador.

Ele me pegou pelos braços, olhou para as minhas mãos e falou:

-Vá, mas deixe o seu celular aqui comigo.

Pensei em revidar, mas resolvi praticar o exercício de aceitar ser cuidada pelo próximo.

E os cuidados continuaram, ele me colocou um fone de ouvido e, antes mesmo que eu me recusasse a usá-lo, a música passou a tocar e me transportou para um ambiente completamente desconhecido.

-Tchau, até mais tarde.

Senti-me um extraterrestre diante daquela tecnologia que anda, pula, torce e retorce junto com a gente.

Afinal de contas, sou da época do toca-fitas, em que era preciso estar sentado ou caminhando com um trambolho nas mãos para ouvir uma música.

Abri a porta da academia do prédio e para a minha surpresa estava sozinha. Ufa, poderia me divertir com o meu mais novo brinquedo, é que havia percebido em mim uma criança escondida.

Meu filho, ah meu filho, sua liberdade e espontaneidade me vieram à mente. Deixei aquele ritual de exercícios impensados de lado e resolvi me entregar àquele momento.

Se eu dancei conforme a música? Não. Decidi dançar conforme o meu coração. Senti a leveza e a sabedoria de saber ser criança, na delicadeza do vento que tocava os meus cabelos e os rodopiava ritmicamente para lá e para cá.

Vivenciei a única coisa que tinha em minhas mãos, o PRESENTE.  E desfrutei dele como quem come uma maça, em plena paisagem campestre, embaixo de uma macieira.

Uma senhora passou e me acenou com as mãos, de maneira simpática, mas com um riso esquisito de deboche (Será que essa mulher enlouqueceu?).

E quantas vezes nós somos chamados de loucos, porque as pessoas não conseguem ouvir a música que toca em nosso fone de ouvido?

Quão libertador é ver que dentro de cada um de nós há um arsenal musical tantas vezes incompreendido.

Como foi bom suar a camisa, ou melhor, despir-me da suada camisa de força que vive em mim.

Voltei para casa revigorada, com uma vontade danada de passar adiante aquele exercício que havia aprendido.

Tão logo entrei em casa, saí dizendo aos quatro ventos para o marido: -Dance mais sozinho e respeite a música que toca em seu fone de ouvido.

 

Esse texto foi escrito por Lígia Freitas, Mãe do João e Participante do Zum Zum de Mães.

@ligiafreitasescritora