Eu olhei para aqueles olhinhos atentos e brilhantes, de um jeito que só ele me faz olhar, e disse com o coração: “Você é a minha vida.” Sem espera, recebi a mensagem que eu tentava internalizar há anos com a clareza e simplicidade de uma criança, e um sorriso gostoso de acolhimento: “Mamãe, mas como eu sou a sua vida, a vida do papai, a vida da vovó, a vida de todo mundo?”
Como Coach em Saúde Holística e Nutrição Integrativa e, com todos os treinamentos, estudos e pesquisas, me certifiquei de que a ferramenta mais poderosa para processos de desenvolvimento pessoal são as perguntas, não quaisquer perguntas, mas aquelas que nos fazem refletir profundamente sobre um nível ainda não consciente, que trazem à tona sentimentos a desvendar, ou mesmo desvendam sentimentos e permitem aqueles momentos ‘AHA!’, em que nos descobrimos um pouquinho mais. Para isso acontecer, precisamos estar dispostos e confiar no processo.
Aquela pergunta do meu pequeno encontrou a pessoa certa, no lugar certo e no momento certo. Eu, enfim, estava aberta para receber essa verdade. Como eu poderia colocar sobre o meu filho de 3 anos a responsabilidade da minha vida? Mesmo que inconsciente, era o que eu estava fazendo.
Você me permite que eu lhe conte um pouquinho da nossa história?
O pôr-do-sol era de uma beleza envolvente, o vento chegava forte anunciando uma noite inquieta e já começava a agitar aquele mar que se perdia no horizonte. Não importava a direção em que eu olhava, o mar se perdia no horizonte. O Sol, por sua vez, imponente e me desejando luz, tinha toda a minha atenção naqueles últimos minutos de céu claro. Eu estava sentada, imóvel, agradecendo por aquele momento e pedindo para que ele durasse mais. Quem me visse ali, ou melhor, quem visse aquela cena, como uma imagem congelada no tempo, diria que eu havia alcançado o sucesso e não podia desejar outra vida. Será?
O mais interessante é que eu fiz tudo certo para chegar até ali e pode ser que você se identifique com essa trajetória. Para resumir, desde que me entendo por gente (aliás, essa é uma expressão que cresci ouvindo e provavelmente dá outra história), cresci como uma aluna exemplar e uma filha tranquila e sorridente. Estudei a vida toda em escolas públicas e me destacava em notas e comportamento. Emendei na Universidade e, antes mesmo que acabasse, passei em um concurso para ter o emprego dos sonhos de todo brasileiro. Pronto. Eu havia trilhado o caminho do sucesso ensinado pela sociedade. Eu havia agradado tanta gente nesse caminho. E, não de repente, estava lá sentada, a poucos instantes de me concentrar naquele trabalho dos sonhos, pensando: “Que direito eu tenho de desejar outra vida? Por que não sou apenas grata por tudo que conquistei?”
Era um conflito interno muito forte que eu vivia, era doloroso, sintomático, tinha reflexos na minha saúde, na minha paz, na minha felicidade. A depressão já era bem conhecida, altos e baixos se tornaram comuns. Os questionamentos que eu me fazia se intensificavam, mas a confusão dentro de mim permanecia grande e eu escolhia ficar no lugar de costume, na zona de conforto. Percebe que essa que chamamos de zona de conforto pode não ser mesmo confortável? É, na verdade, onde os riscos já são conhecidos e os desafios não superam as nossas habilidades. É uma zona de apatia, tédio ou relaxamento.
Eu tinha lampejos de felicidade quando me conectava a algo que fazia minha alma sorrir, que me fazia sentir amor pela vida. Dançar, sonhar com uma vida mais leve, com a natureza presente para ser admirada e preservada, não explorada, escrever sentimentos, desenhar planos mirabolantes de fuga, eu fazia tudo isso, me libertava por instantes e, em seguida, guardava a minha liberdade em uma caixinha dos desejos, num cantinho escuro e escondido. Não passava pela minha cabeça que o conteúdo da caixinha eram peças do grande quebra-cabeça que eu tentava desvendar. Então, eu retornava para a vida que eu conhecia, a vida certa para uma pessoa bem sucedida, a vida que agrada quem olha e que eu não reconhecia como minha.
Acredito que ocorrem alguns momentos em que se abre um portal de conexão com uma sabedoria maior, com um plano espiritual, com algo a que pertencemos, mas nem sempre temos consciência desse pertencimento. Lembro de sentir que era chegado o tempo de me tornar mãe, como se tivesse algo antes combinado. Engraçado escrever isso agora porque João e eu sempre fechamos um acordo nosso dizendo: “Combinado!”. E foi assim, eu acreditava que seria mãe até os 30, me tornei mãe aos 30, e esse portal divino estava aberto. Eu me permiti receber a luz da consciência, me permiti receber o presente de conexão com a vida em essência, bela e simples. A pureza do olhar do meu filho me fez compreender o amor. Eu percebi, então, que era responsável por duas vidas, a dele e a minha.
Meus 30 anos, um divisor de águas. Não havia mais tempo para depressão e, melhor, não havia mais motivo. Eu havia compreendido o sentido da minha existência. Assim eu acreditava. O João se tornou a minha vida, repleta de felicidade e amor. Por ele e por amor, eu tirei aquela minha caixinha do cantinho, comecei a questionar se aquilo tudo podia se encaixar nessa minha nova visão de mundo. Quanto mais eu mexia, mais eu percebia que eu sempre estive lá, apenas não havia ainda me encontrado. Cada dia, uma ou mais descobertas. Foi um tempo mágico, milagroso.
Afeiçoada aos estudos e pesquisas, uma prática de toda a vida, comecei a me dedicar à abertura de um novo caminho, que estivesse alinhado aos meus princípios e valores. Mais rápido do que pensava, estava dando grandes passos para a minha liberdade, um movimento de dentro para fora, um movimento pela vida. Como um dos maiores atos de amor próprio que vivi (hoje percebo isso), decidi deixar a carreira dos sonhos de outras pessoas e tornar os meus sonhos realidade. Mudei de estilo de vida, mudei de endereço, mudei de trabalho. Sem muito planejamento e metas definidas (algo que não recomendo e também é assunto para outra conversa), abandonei a minha zona de conforto.
Tudo estava fluindo melhor, o ar era mais leve. Os desafios eram crescentes e sempre mais libertadores. Educar o meu filho de acordo com o que eu acredito bom era e continua sendo o maior desafio. Não é fácil se libertar das amarras com que crescemos, mas é plenamente possível. Apesar de sentir que eu seguia com amor e verdade, algumas peças do meu quebra-cabeça faltavam e outras pareciam ter sido posicionadas erroneamente. Com o tempo, um sentimento antigo que eu não aceitava mais insistia em aparecer. Como aquele vazio da depressão poderia surgir de novo se eu já conhecia o sentido da minha vida?
Dia após dia, dificuldades e conquistas, pensei em desistir e, ao mesmo tempo, não poderia desistir da missão que eu reconhecia pra mim e se afirmava a cada passo. Quando você inicia um processo profundo de autoconhecimento, você começa a ver o que não via e não tem como (des)ver. Fingir que não vê é se dar um atestado de infelicidade. Eu não queria essa opção. Decidi, então, acreditar mais e entregar para o Universo porque a resposta viria.
Eu digo que a depressão causa cegueira porque o caminho fica enevoado e difícil de percorrer. Quando confiamos que há algo maior e nos conectamos a essa crença, podemos finalmente fechar os olhos e seguir o coração. O ciclo virtuoso da prosperidade e abundância começa a se manifestar. As respostas surgem com clareza. Foi assim que, ao libertar o meu sentir novamente, o pensar e o querer reencontraram o seu fluxo. Foi a segunda vez que, consciente, senti um amor que não conhecia, o amor por mim.
Vou recapitular e acrescentar! Eu me tornei mãe e percebi que era responsável por duas vidas, a do João e a minha, mas essa verdade foi assimilada em tempos diferentes e em níveis diferentes de consciência. Primeiro, conheci o amor puro e incondicional de uma criança, que amoleceu o meu coração e fez com que eu unificasse as nossas vidas para que a minha fizesse sentido. Esse amor preparou o terreno para a descoberta mais recente, o auto amor ou amor próprio, em construção. Agora, tenho uma percepção mais aguçada da responsabilidade sobre a minha vida, minhas escolhas, minhas palavras, meus pensamentos, sentimentos e ações.
Através do olhar de uma criança, aprendi a amar. Através do seu sorriso e de suas palavras, aprendi a viver e deixar viver.
Isso não fez sentido para ele e não fazia mais sentido para mim. Meu filho faz parte da minha vida, mas eu não tenho o direito de fazer dele a minha vida. Hoje, enxergo a beleza de guiá-lo para que cresça livre e feliz, para que tenha tempo e espaço de descobrir e abraçar a sua bio-individualidade, para que viva com amor e verdade.
Eu não tenho o direito de responsabilizar outra pessoa, quem quer que seja, pela minha felicidade Hoje, sei que tenho muitas descobertas por fazer, estou no início da minha jornada de desenvolvimento pessoal, cada dia cultivo uma conquista, todo dia encontro o meu sucesso e coloco mais uma peça no quebra-cabeça da vida.
Este texto foi escrito por: Cibele Calderan, mãe do João de 3 anos, criadora do Espaço Vice Versa, movimento pela vida, e Consultora de Bem Estar dōTerra. Reconhece como sua arte, sua missão, semear a mensagem de conexão com a vida, que permite o educar alinhado à natureza do ser, com amor, respeito e liberdade, e promove o cultivo de uma cultura sustentável. Saúde Holística, Nutrição Integrativa e Permacultura para Mães e Famílias com crianças de até 7 anos.