A RAIVA MINHA

Nas sombras que se aproximam, esgueiradas por entre as frestas abertas que me permitem enxergar, vejo nuvens densas, corram que lá vem vindo uma tempestade! Procuro os culpados para descarregar minha frustração e minha raiva, mas quando os encontro, são rostos tão conhecidos e até amáveis em sua maioria. Tempos difíceis esses para se amar e respeitar o próximo.

Porém não existem culpados pela minha raiva, tudo e todos os fatores externos a mim são apenas gatilhos para desperta-la, ela me pertence e hoje entendo e a aceito de bom grado, afinal é um sentimento humano.

A raiva é minha apenas, emerge das profundezas do meu eu até a superfície, vem nua despida dos moralismos históricos empurrados goela abaixo, vem sem os disfarces de costume, sem maquiagem e me encara em toda sua plenitude, ela é devastadora e assustadora demais. Me surpreendo por ela me ser tão intimamente desconhecida, afinal disseram-nos que ela é ruim, que devemos ser boazinhas, que não é certo senti-la, então mocinha a esconda, sorria e siga em frente. Ela me diz debochadamente que sempre esteve aqui, e agora que estamos face a face vejo toda sua força, sua rebeldia. Corajosamente à assumo, me permito senti-la com toda a sua potência e então eu grito alto, pego um travesseiro e abafo inesperados urros viscerais, a fera está acordada, por longos minutos soco com toda minha força o travesseiro, ela vai se alimentando, aos poucos se contentando, saciada por hora vai então diminuindo, vira uma lágrima e transborda em um lamento de impotência.

E me vem enfim a clareza, um lampejo da verdade, da minha verdade, eu continuo e preciso continuar em busca dos caminhos do amor, digo a minha raiva que posso senti-la, que vou tentar acolhê-la sempre quando ela vier, mas peço que ela não se iluda, não é ela que vai me guiar. É por tolerância e amor à minha busca, é onde me fortaleço e fortaleço minhas convicções, porque se eu agora simplesmente passar a desejar devastação, apenas para dizer ou provar que eu estava certa, se assim eu fizer, eu terei então mudado de lado, estarei então jogando o jogo do ódio e alimentando esse ciclo tenebroso implantado em nossa sociedade!

Me recuso a sucumbir ao ódio, à raiva e à revanche, entendo que as pessoas têm diferentes vivências que as levaram a percepções e escolhas diferentes das minhas, prefiro desejar que lá na frente estejamos todos juntos novamente envoltos pela mesma esperança de dias melhores. Continuo desejando igualdade, empatia e respeito para com às minorias, com as maiorias e com todos aqueles que têm por direito serem diferentes de mim e do que eu acredito.

Vou ensinar minha filha a ser tolerante, resistente, potente, senhora de si, livre de amarras, livre para os caminhos que o amor a levar… O meu maior legado para o mundo será mais uma consciência desperta, para isso eu estudo, penso, procuro nos ensinamentos do mestre dos mestres, mergulho no amor do criador, me conheço, me reconheço, me reviro do avesso, revelo com honestidade minhas fraquezas, trago luz às minhas sombras, leio, releio, repenso, pondero, perdoo e sigo na busca, abrindo as portas, olhando para frente, paro alto, para além dos véus que aos poucos e a duras penas vão sendo removidos da frente dos meus olhos.

 

Este texto foi escrito por: Vivian Pessoa, mãe da Ive de 2 anos e 8 meses e participante da turma 5 do Zum Zum de Mães.

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