Queridos papais e mamães, sou a Tânia, psicóloga, psicanalista, mãe da Milena e participante do Zum Zum. Conforme combinei com vocês este é o segundo texto sobre a prevenção primária dos problemas psicológicos. No texto do mês passado abordei o tema da prevenção na gestação, nascimento e primeiros dias de vida do recém-nascido. Hoje vamos dar continuidade até os dois anos. Para isso, irei recorrer a teoria do desenvolvimento emocional primitivo postulada pelo pediatra e psicanalista inglês Donald Winnicott. Toda a sua teoria se desenvolveu a partir de sua ampla prática clínica de atendimento de bebês, crianças e adolescentes.
Winnicott nomeia de dependência absoluta a fase do desenvolvimento emocional do bebê até os 5, 6 meses de idade. Nesse momento, o bebê sente que ele e a mãe formam uma pessoa só, uma unidade sem diferenciação eu e não-eu. Três principais processos se desenvolvem nesta fase: Integração, personalização e adaptação à realidade. Esses processos maturacionais se desenvolvem através dos cuidados maternos: Holding, handling e apresentação dos objetos. Vou explicar separadamente cada um deles:
Os três processos maturacionais: Integração, personalização e adaptação à realidade formam a base do bom desenvolvimento emocional. São consolidados por volta dos 6 meses, mas nunca completamente estabelecidos. Se fortalecem por toda a vida.
Mães, não fiquem preocupadas, parece muita coisa, parece difícil, mas segundo Winnicott esse é um trabalho que todas as mães conseguem fazer. Winnicott chama de mãe suficientemente boa, as mães comuns que são guiadas por seu instinto materno e estão conectadas com o bebê. A conexão é o mais importante. Vale a pena ressaltar que as mães tentem seguir os seus instintos e não ficar ouvindo muitos palpites como: a) seu filho vai ficar manhoso, não fica pegando o bebê no colo; b) para aprender a dormir tem que deixar chorando, depois ele acostuma. Sabem porque ele acostuma? Porque ele dorme de exaustão e entende que não adianta, por mais que ele chore ninguém vai aparecer para ajudá-lo a se acalmar. É um total desamparo. Nesta fase, não é uma boa ideia viajar e deixar o bebê sob os cuidados de terceiros. Aqui ele precisa especialmente dos principais cuidadores. Ainda não suporta tanto tempo longe da mãe. O bebê precisa ser dependente, precisa de amor, para adquirir confiança necessária para depois aos poucos ir se tornando independente. Gostaria de lembrar também que não é qualquer falha que desencadeia patologias, são falhas grosseiras e que se repetem aliadas aos fatores genéticos.
As repetidas experiências de ilusão experimentadas pelo bebê na fase anterior oferecem confiança necessária para que a mãe comece a “falhar” nesse momento. Na verdade, falhar aqui é acertar. Explicarei melhor: a mãe vai sentindo que o bebê já consegue esperar um pouco mais o peito ou a mamadeira, ele suporta a ausência materna por mais tempo e ela começa a não atendê-lo tão prontamente como antes. Com isso, cria-se uma área intermediária da experiência chamada espaço potencial. O espaço potencial é uma área entre a ilusão e a realidade. É aqui que se desenvolve o uso dos símbolos que representam ao mesmo tempo os fenômenos do mundo interno e do mundo externo. Desenvolve-se a criatividade que posteriormente, evolui para o brincar, o brincar compartilhado e para experiências culturais, artes, etc. No espaço potencial surgem os objetos transicionais. São objetos escolhidos pelo bebê como: fraldinha, cobertor, urso de pelúcia que eles utilizam para se acalmar e dormir. Geralmente são objetos que não podem nem ser lavados que eles acham ruim. Esses objetos não são nem puramente imaginação e nem puramente realidade. Ele existe na realidade, mas o significado dele é subjetivo é do espaço da criação, da imaginação do bebê. É um objeto que irá ajudar no processo de separação da mãe. O objeto representa a mãe, a relação mãe-bebê e por isso oferece um conforto. A mãe precisa dar um espaço para que o bebê consiga se diferenciar, se deparar com a realidade e estabelecer uma identidade pessoal. A mãe vai aumentando a porção de realidade que apresenta ao bebê, mas sempre preservando uma certa porção de ilusão, pois ela continua o atendendo em suas demandas, mas se permite falhar. Com a desilusão, ou seja, percebendo cada vez mais que ele não é o criador do mundo, pois a mãe não consegue atender todos os seus desejos, ele vai percebendo que a mãe é uma pessoa separada, o bebê começa a perceber os objetos objetivamente ao invés de subjetivamente. A natureza é sabia, pois nesse momento a atenção que estava quase que totalmente voltada para o bebê pode ser compartilhada com outras coisas e pessoas. O bebê já interage mais, daqui a pouco vai sentar, engatinhar, vai querer coisas que os cuidadores terão que negar principalmente pelo perigo que podem representar. Assim a realidade vai sendo apresentada de forma natural.
Algumas mães já me perguntaram: Tânia, meu filho não teve um objeto transicional. Isso é ruim? Nem todas as crianças tem um objeto transicional concreto. As vezes a função do objeto transicional é realizada através de sons produzidos pelo bebê, balbucios, maneirismos, etc. Outras mães comentaram: eu tentei introduzir um objeto transicional e não deu certo. Na verdade, é o bebê que escolhe o objeto e não os pais.
A fase de dependência relativa vai até os dois anos, dois anos e meio mais ou menos ao final dela é esperado que a criança se veja como uma pessoa inteira, possua um sentimento de ser, de ter uma identidade própria e está pronta para um relacionamento total. Falhas intensas, grosseiras e persistentes levam a ansiedade de separação intensa mesmo em pessoas adultas. Ex: Pessoas que sofrem muito na ausência da pessoa amada, construindo fantasias que se a pessoa não estiver perto vai esquece-la, deixará de amar, como se ela não confiasse nas construções que faz e que essas construções são seguras e continuam existindo mesmo na sua ausência. Pode haver também a cronificação do objeto transicional, na qual o objeto é sentido como o único capaz de aplacar as dores e angustias em detrimento das relações e isto pode levar ao aparecimento de compulsões. Quando ocorre um sentimento de perda muito grande nesta época, pode levar a comportamentos antissociais no futuro numa tentativa de recuperar o que foi perdido, como um pedido de socorro.
Uma outra aquisição importante é a capacidade de se preocupar, que se desenvolve entre os 6 meses e os dois anos e meio / três anos mais ou menos. Ao perceber o outro como separado, a criança passa a se preocupar com ele, com sua saúde e com seu humor. É importante ressaltar, que no processo de separação, para a criança conseguir se tornar uma pessoa inteira, ela precisará se opor. Comportamentos considerados inadequados aparecem: bater, não fazer o que é pedido, gritos, etc. Para Winnicott é importante que os pais sobrevivam a esses “ataques” sem retaliar. Isto é, que não ajam da mesma maneira com a criança ou tenham atitudes que a faça entender que perderá o amor dos pais com aquele comportamento. Não queremos que os nossos filhos aprendam que só serão amados quando fizerem o que os outros querem. Os limites e ensinamentos são importantes. Para auxiliar nisso, vocês podem ler o e-book da Clarissa ou assistir a aula sobre o Limite na medida certa que está excelente. Nesta etapa, é necessário oferecer espaço também para a reparação para que o sentimento de culpa não se torne intolerável.
Acho importante que nós mães saibamos um pouco sobre o desenvolvimento emocional dos bebês primeiramente para nos ajudar a nos conectar com nosso filho, sermos mais empáticas, sabermos pelo menos em parte o que está se passando com ele para ajudá-lo. Ter um filho nos faz também reviver muito da nossa própria história de quando fomos bebês desencadeando vivencias angustiantes que podem nos fazer desconectar com nosso filho ou mesmo repetir padrões de relacionamento na qual fomos criados. Sabendo um pouco sobre o desenvolvimento emocional, nos auxilia a perceber nossas dificuldades e procurar ajuda para resolve-las. Por exemplo: se sentimos uma indisponibilidade interna muito grande para o bebê com uma grande frequência principalmente na fase de dependência absoluta, se não sentimos que há um amor enorme se construindo, se ao longo do tempo, não nos apaixonamos por nosso bebê, tem algo impedindo, algo que precisa ser visto, trabalhado e superado.
Caso vocês percebam que esse começo da vida dos seus filhos ficou prejudicada por algum motivo, vocês podem voltar a se conectar com eles em primeiro lugar, e em sintonia tentar sentir o que ele precisa. Se notarem o surgimento de sintomas, podem procurar uma psicoterapia pais-bebê (até 3 anos) ou psicoterapia infantil (após 3 anos). Quanto mais cedo se busca ajuda, mais fácil as coisas se resolvem. No próximo mês falarei de alguns sintomas que merecem atenção na infância. Até a próxima!
Tânia Oliveira de Almeida Grassano
Psicóloga formada pela UFMG. CRP-04/19643
Psicanalista: Membro efetivo e docente na Sociedade Brasileira de Psicanalise de Minas Gerais – SBPMG.
Realiza atendimento em psicoterapia individual de crianças, adolescentes e adultos. Atua também com psicoterapia pais-bebê.
Os atendimentos são realizados em BH, próximo à praça da Liberdade.
Tel: (31) 30725974