Quarentena e o encontro com nós mesmos

A perda do controle

A quarentena e toda a complexidade que estamos vivendo no mundo devido à pandemia, chegou inesperadamente e tirou o chão de todos.

Eu que há dois anos optei por não ver os noticiários por absorver demais as notícias ruins, só tive dimensão do que estava acontecendo quando a escola da minha filha suspendeu as aulas.

Meu marido e eu trabalhamos juntos e nosso horário era cronometrado com o da escola da nossa filha, tínhamos tudo sob controle. Não ter escola pra ela, para nós podermos trabalhar normalmente, foi o primeiro gatilho pra mim.

Fiquei aflita e dividida entre o desejo de cuidar dela de perto num momento como esse, ao mesmo tempo em que me afastei do trabalho, cheia de preocupações pois desempenho uma função de confiança e meu trabalho não teve opção de ficar em home office.

Naturalmente, não ter o controle sobre os acontecimentos me deixou angustiada, com a mente agitada, pensando em mil possibilidades negativas diferentes. Como em geral são os pensamentos que geram as emoções, consequentemente meu campo emocional sofreu um grande impacto, trazendo à tona as mais diversas emoções negativas, como o medo, insegurança, tristeza. Quando todo planejamento se torna ilusório, nossa mente fica perdida e isso reflete nas nossas emoções.

O ciclo do pensamento negativo

Percebo que na minha vida o medo é a emoção mais predominante, e sempre que ele vem sinto-o em meu corpo todo, ele começa no meu plexo solar, que é a região da barriga e estômago, traz uma onda de mal estar físico generalizado e uma angústia se instala em meu peito.

Quanto mais angustiada eu fico mais pensamentos negativos eu produzo, e quanto mais pensamentos negativos mais angústia. Esse é o ciclo do medo no meu corpo.

Essas sensações que experimento em meu corpo dizem algo sobre mim, esse contexto inesperado que traz esse medo, me faz reviver sensações físicas e emocionais que eu já vivi antes, possivelmente na infância, e de certa forma elas vêm para serem olhadas e integradas. Se ignoro a mensagem que há por trás desse medo, por exemplo, perco uma grande oportunidade de me conhecer melhor, de saber sobre o que sinto, de conhecer meu corpo e quem sou de verdade além dessas sensações. Perco uma grande oportunidade de cura através do autoconhecimento.

Mas sinto que no momento em que estou com meu corpo nesse colapso nervoso, primeiramente preciso sair desse estado, distraindo minha mente, trocando esses pensamentos por pensamentos mais positivos, movimentando meu corpo, mudando minha mente do lugar ilusório do passado ou futuro, e trazendo para o presente.

Tenho me sentido assim por diversas vezes durante essa quarentena, precisando lidar com minha mente o tempo todo, e por muitos momentos quando me dou conta já perdi o controle dela e meu corpo está paralisado no estado que descrevi acima. Às vezes, melhora rápido, às vezes fica um dia todo ou até mais em meu corpo… como tenho dito: dias bons, dias ruins. Ainda bem que nós, mães, pais, estamos acostumados com essa realidade na maternagem, de certa forma nos ajuda a lidar.

Medo do futuro e da morte

Quando nossa mente está preocupada com o que há de vir, está atuando no futuro, fora do presente, que é o único momento que realmente existe. Porém, estamos tão treinados a viver no futuro que pelo automatismo do nosso inconsciente não conseguimos sair de lá tão facilmente quando nos deparamos com algo que tira nosso controle e planejamento, e que desperta pensamentos e emoções negativas em nós, como é o caso do momento que estamos vivendo.

Desde cedo nos ensinaram que temos que pensar no nosso futuro, em ser “alguém na vida”, e não trago isso de forma negativa. Só quero chamar a atenção para as convenções que nos ensinaram desde sempre a focar no futuro, que colocamos nossa felicidade nele, nossa realização, nossa paz. Porém, só temos o presente, e num momento como esse podemos olhar pra isso com mais consciência e rever alguns conceitos. Estou tentando fazer isso.

Mas creio que o medo do futuro seja inevitável, e por mais que tentemos evitar, os pensamentos fatalistas estão vindo. As crises emocionais estão vindo. O medo de morrer, de perder alguém que amamos, nossos filhos, nossos pais… Sabemos que muitos já perderam e estão sofrendo seu luto nesse momento, estão lidando com a morte e seus mistérios.

Eu tenho lidado com o medo da morte diariamente, me questionado por que vim pra esse mundo, o que estou fazendo aqui, qual o propósito disso tudo, por que dói tanto perder um ente amado ou somente pensar nessa possibilidade, por que a morte é esse grande enigma e nos assombra tanto. E tudo que eu sei é que não tenho nenhuma resposta exata pra nenhuma dessas perguntas.

Formas de manter a paz em meio a todas as incertezas

Como eu disse acima, não existe resposta exata para a maioria dessas perguntas existenciais, não existe fórmula mágica para lidar com nossa mente, nem com nossas emoções.

Entendo que o medo do futuro e da morte são reflexo da falta de confiança, de fé no que vem depois. Quando penso que a natureza é farta e sábia e não deixará faltar o necessário para que eu sobreviva, eu fico em paz. Quando penso que mesmo depois que eu morrer, eu continuarei vivendo, eu fico em paz. Quando penso que antes de ser minha, a minha filha é filha de Deus, e eu fui apenas um canal pra que ela estivesse aqui, eu fico em paz. Quando penso que se minha filha morrer antes de mim, isso já estava acordado entre nós antes de virmos pra cá, eu fico em paz. Quando penso que não há separação, pois somos todos parte de um Todo, e de certa forma sempre estaremos juntos, eu fico em paz. Quando penso que existe uma Inteligência cuidando de tudo que não podemos entender, eu fico em paz. Quando penso que essa mesma Inteligência, que pra mim é Deus, está comigo, eu fico em paz.

A dor muitas vezes é inevitável, mas se tivermos paz pra lidar com ela, tenho certeza que será mais leve. Por isso que em minhas orações eu não peço pra entender, eu peço para ter paz para aceitar aquilo que não posso entender, e assim eu sigo.

A forma que eu encontrei de ficar bem foi estruturando essas crenças na minha mente, e confiando no mistério da vida. Funciona em boa parte do tempo, nas outras estou vivendo os emaranhamentos da falta de confiança, que geram os estados que citei, afinal sou humana e a vida não é uma linha reta.

Se posso te dizer algo é que encontre as crenças que te tragam paz, assim como eu encontrei as minhas. Na hora do colapso nervoso, o que me traz para o presente é pedir um abraço apertado pro marido ou pra filha, rezar e chorar no chuveiro, meditar, respirar, respirar, respirar, rezar antes de dormir, alongar, mudar o pensamento, encontrar um lugar interno de paz, um lugar que amo estar e pra onde posso ir quando eu quiser e precisar. Brincar com minha filha com conexão, fazer uma comida gostosa com atenção plena, comer algo que gosto, organizar a casa com atenção plena, colocar uma música que eu amo e sei a letra e cantar junto bem alto, dançar. Esses dias tirei da prateleira um CD da Ana Carolina e cantei todas as músicas a plenos pulmões… eu tinha me esquecido de como amava fazer isso, e me fez tão bem! Me tirou de um estado deprimido que estava fazia dias.

Nessa quarentena, assim como na vida, encontre aquilo que te nutre, te faz bem, te ajude a voltar para o aqui agora, te ajude a ter confiança na vida e no que vem depois, te enche de paz mesmo quando fora tudo é guerra. Eu também estou nessa busca com você, e sei que isso se estenderá enquanto respirarmos, pois isso é a vida!

 

SOBRE A AUTORA:

NATALIA CAMILA DA SILVA

33 anos, mãe da Olívia de 4 anos, Participante da Turma 5 do Zum Zum de Mães, Funcionária Pública, Gestora de Recursos Humanos, adepta do Sagrado Feminino. Escreve para elaborar suas emoções, só de escrever se sente mais leve e mais inteira.

IG: @natycamila87