Querida leitora! Sei que estão sendo dias difíceis, sinto a sua dor revelada no íntimo do meu coração, suas angústias, seus medos, as incertezas do futuro e do mundo. Neste momento, muitas de nós temos sentido um vazio, uma tristeza ao final da tarde, uma sensação de que não nos reconhecemos mais em nós. Temos tantos afazeres e está tudo tão diferente, um cansaço que não é nosso nos possui e não nos reconhecemos em nossa eficiência aparente. A realidade está tão mudada, estamos em casa por mais tempo e com a nossa família. Pelos nossos olhos as cores são outras, as flores tem outro perfume, a lua outro brilho, o sol outro calor. Quando olhamos as estrelas vemos mais do que luzes no céu, vemos a escuridão lá fora refletindo as trevas que nosso ser revela… E quanta impaciência e amor transbordando. Num momento somos uma luz infindável de cuidado e zelo, noutro não suportamos estar em contato com aqueles que amamos. Não sabemos o que fazer como agir, o que dizer. Não conseguimos falar, nem gritar, nem chorar. Queremos sair correndo, mas não sabemos para onde e se podemos ir. Parece que ninguém nos escuta, nos vê, nos entende, não temos com quem conversar. Nos falta um abraço caloroso, um ombro amigo, compreensão, carinho, contato, tato.
Estas palavras te relembram ago? É, querida leitora, estou falando da quarentena! Mas poderia ser a descrição dos nossos puerpérios, aquele momento em que mergulhamos em nossa sombra mais profunda ou aquela bem visível. Aquele instante em que temos vontade de chorar “sem motivo”, de ficar quietinha em nosso canto, e que, por muitas vezes, não temos nem vontade de levantar da cama. Mas agora estamos em quarentena e esta contenção que mais parece uma imersão em nosso lar, com nossos filhos, companheiros e com o nosso ser real, pode e traz muitos sentimentos do passado e o puerpério revivido (para mim) tem sido muito desafiador.
Durante o meu puerpério vivi e revivi muitas dores. Deveria ser o instante mais belo de minha vida, e realmente foi já que minha filha amada veio ao mundo, porém com muitas dificuldades e angústias. Tivemos um parto de risco, uma cesárea não programada na qual sofremos violência obstétrica onde minha filha quase não sobreviveu. Muitos medos foram gerados e reativados neste parto, o medo que minha mãe sentiu em minha gravidez (ela não saia de casa por medo de doenças) o medo que minha avó materna sentiu (ela foi mãe solteira e muito jovem criou minha mãe sozinha entre muito preconceito)! Sem falar em todos os outros medos que surgiram no exato momento em que peguei minha filha nos braços… Senti medo de não conseguir amamentar, de não saber dar banho ou cuidar de um serzinho tão frágil e dependente de mim. Senti medo de ser julgada por sentir tantos medos, por me sentir insegura, aflita, incapaz. Logo eu que era tão informada, tão resolvida, tão instruída, tão inteligente, tão segura (só que aparentemente!). O que aconteceu comigo pode ser muito semelhante com o que você sentiu após o nascimento de seus filhos, isso porque muitas de nós não fomos educadas e não fomos instruídas a cuidar de nossas emoções de maneira segura e livre. Somos frutos de uma geração reprimida emocionalmente, e de uma sociedade “treinada” para fazer da maternidade tudo menos um o caminho de transformação e crescimento. Ao sabermos de nossa gravidez pensamos em muitas coisas materiais que temos que resolver e comprar: o quarto, os móveis, o enxoval, tudo isso é muito importante e valoroso, mas (para mim) não é mais o essencial. Desta forma, não pensamos sobre como ficará o nosso coração após o parto. Não sei o seu, mas o meu se espatifou sendo que ainda hoje, após quase quatro anos ainda tento juntar seus pedacinhos. Somente quando reconheci meu processo de resgate e de sombra é que aceitei a minha realidade, podendo, de fato, sentir aquela prometida alegria em estar com minha filha. Entretanto, o meu puerpério continua, porque ele não tem data certa para terminar, não é um período estabelecido por médicos, ou livros. É um período que somente a mulher/mãe sabe, pois ela é que o está vivendo, e somente ela saberá o seu tempo quando ele terminar. E nesta quarentena, querida leitora, percebi que ainda estou puérpera e que minha “quarentena” está chegando ao fim!
Enfim, a quarentena está aí e esta é a nossa condição atual, gostemos ou não. Como em muitas outras situações de nossas vidas. Sinto que, para nós mães, muitos cenários dos nossos puerpérios estão sendo reproduzidos, porque as crianças estão em casa, estamos com a demanda do lar sob nossa responsabilidade e, em geral, nossos companheiros estão trabalhando fora ou em casa. É evidente que este modelo não é regra geral, temos muitos companheiros assumindo as atividades do lar e os cuidados dos filhos, bem como muitas mães trabalhando fora ou em casa! Em verdade, me refiro aquele sentimento de descontato (acho que este termo nem existe!) com o mundo, com pessoas, com adultos, aquele momento de imersão, em casa, mergulhadas nos cuidados do bebê e do lar, naquele reencontro com o nosso lado feminino cuidador, acolhedor, muitas vezes ferido. Aquele momento em que não saímos, nem para ir à padaria ou na farmácia e que não temos mais aquela referência de nós mesmas. Tudo muito semelhante ao nosso momento atual. Enfim, leitora querida, te convido a reviver seu puerpério, a sentir “aquela” sombra de novo, aquele nó na garganta, aquela sede de chorar até as lágrimas acabarem. Mas agora vamos falar, expressar, chorar acompanhadas, pedir colo (ainda que virtual!). Honremos a nossa quarentena interior, o nosso momento de reconexão, de acolhimento de nossas emoções. Com certeza, nada será como antes, tudo irá se transformar, como num puerpério, ninguém sairá ileso, igual, intacto! Ninguém passará por esta contenção sem se olhar, ainda que bem pouquinho, lá no fundinho de sua alma! Honremos a nossa quarentena e sairemos dela modificadas, transformadas, revividas, regeneradas, reconectadas, fortalecidas!
Sobre a AUTORA:
Ana Blasi, Mãe da Flávia, Participante da Turma 9 do Zum Zum de Mães e apaixonada por educação e conexão
@blasi_ana