: Mães do Zum Zum
Já está tarde da noite e você dorme o sono dos justos. Eu ainda estou aqui, acordada, revivendo e revisitando a memória sutil de quem pariu naturalmente há quase 3 anos.
Das coisas mais incríveis e avassaladoras da minha vida, ser mãe certamente está no topo da lista (se é que exista, até o momento, algo que supere a experiência transformadora de me tornar mãe). E nessa véspera do seu terceiro ano de vida, muita coisa me vêm à mente e ao coração. Como se uma bússola me trouxesse o caminho da verdade que tanto tenho buscado desde o seu nascimento.
Hoje, quase três anos depois, consigo finalmente encaixar algumas peças do quebra-cabeça da nossa história que, por não ousar ou não saber como, eu deixava perdidas no buraco escuro das sombras.
Surpreendentemente, o que me fez resgatar e juntar as peças, foi uma música que me acompanhou muito antes de engravidar – posso dizer inclusive que foi uma música que acompanhou a gestação da minha gestação. E como você nasceu com sol e ascendente em aquário, que apesar de ser um signo de ar lembra água e, euzinha sou um verdadeiro oceano a transbordar, a música não poderia ser mais apropriada.
Entendi finalmente que o nosso parto humanizado domiciliar de 55 vitoriosas horas “indolores” foi um portal de muita luz e muitas sombras. Que ao reviver, tal como eu fiz nos seus dois últimos aniversários, hoje eu percebi com clareza e lucidez que a “doce” espera foi na realidade um ato resiliente seu, diante de tamanha raiva e tristeza de morrer para nascer mãe. E assim eu compreendi que “debaixo d’água tudo era mais bonito, mais azul, mais colorido SÓ FALTAVA RESPIRAR / TINHA QUE RESPIRAR/ TODO DIA”. E por isso você AGUArdou todas essas horas até que eu pudesse acessar a chave que me permitiu sair do controle e morrer, e renascer sua mãe.
A dor física que eu estava ciente que sentiria não me causava medo, eu estava tranquila e no comando da nave. Ao passo que o controle, que me parecia ser o protagonista dessa história, hoje tomou o lugar de um coadjuvante importante, dando lugar para a ambivalência dos sentimentos que me atravessaram nesse rito de passagem. Hoje eu encaro de frente, assumo e acolho a raiva oculta que senti nesse longo trabalho de parto, a tristeza encoberta por um orgulho de ter parido em casa após 55 horas de trabalho de parto “indolor”. A dor era da alma, do medo de ser mãe apesar do desejo e do planejamento prévio, da raiva de ter que me despir e me desapegar da imagem ideal, da pessoa que eu era e que não mais voltará, do controle que se esvai e que me fez perceber o quão controladora eu sou e o quanto de energia eu perco cotidianamente com isso. As contrações, o trabalho de parto ativo, a câimbra com contração, a dor na costela, nada disso chega perto da dor de morrer pra viver, e eu não havia entendido isso até hoje, ou não me permiti integrar essas informações por não admitir que o parto idealizado e realizado de forma humanizada, no conforto da minha casa de forma planejada, com o nascimento de um bebê lindo, saudável, sem nenhuma intercorrência, nem pra mim nem para o bebê, poderia ter qualquer sombra escurecendo a luz da nossa vitória.
Mas como a verdade cura, eu me curo olhando e acolhendo as sombras que inevitavelmente existem em todo rito de passagem, porque para todo ciclo que se inicia, um outro se encerra e para toda escolha feita, existe uma renúncia. Se negligenciamos e resistimos à renúncia, ela nos ronda até que possamos olhá-la de frente, dar colo e seguir adiante. Então, acolho a raiva e a tristeza ocultas por detrás da alegria e do amor, do orgulho e da satisfação de ter me tornado mãe e ter parido um filho lindo e saudável. Faço as pazes com as sombras e sigo adiante, confiante no próximo capítulo que se inicia. Ouso sair do controle e também ser a mãe possível que é melhor que a ideal. Ouso sair progressivamente do tanque que por esses três anos completos nos foi morada acolhedora. Ouso confiar em mim, em você e no fluxo do universo, para que possamos alçar vôos juntos, cada um na direção predestinada. Ouso encarar o medo de encontrar o desconhecido e me entregar diante das infinitas possibilidades. Ouso e me encorajo para vê-lo crescer na mesma medida em que me vejo crescer desde o dia em que renasci sua mãe.
Que a verdade e a auto responsabilidade sejam nossas guias e fiéis escudeiras, iluminando a luz e também as sombras.
Porque bem disse Leminski, “Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além”.
Gratidão meu querido, pela jornada incrível, pela coragem única e pela confiança em me escolher para te maternar nessa existência. Estou pronta para ir além 💗
TEXTO escrito por: Iara Schmidt
Iara é mineira, e como boa sagitariana é uma viajante nata e buscadora de si. Mãe de um aquarianinho nascido em fevereiro de 2016 – fonte do puro amor e inspiração infinita – realizou da gestação ao puerpério ritos de passagem que transformaram – e continuam transformando – sua essência.