A primeira cura

Eu queria mesmo sair correndo, fugir e sumir até que tudo se resolvesse ou até que tudo desaparecesse. Será que as pessoas que eu mais amo não entendem que estou tentando fazer diferente, que eu escolhi por uma alimentação mais natural para me desintoxicar e para não intoxicar o meu filho desde cedo, que existe uma nova forma de perceber a criação dos filhos e agir, que precisamos cuidar para que nossas crianças se desenvolvam e permaneçam conectadas com quem são em essência, e  se tornem adultos livres para escolher o caminho da própria felicidade? O diálogo ficava cada vez mais difícil, quase inexistente, discussões, brigas, palavras doídas que abriam feridas e buscavam sustentação em atitudes do passado.

Algo simples, que poderia ser tranquilamente conversado e resolvido, abria portas para monstros adormecidos saírem. E, de repente, eu me via sem chão. Em pleno processo de desenvolvimento pessoal, com um sonho lindo dentro de mim e a minha missão recém-descoberta, de cultivar a vida com saúde e felicidade, sentimentos tão difíceis de lidar e negativos vinham com toda força. Raiva, fúria, frustração, tristeza.

Antes, eu trabalhava sem propósito. Agora, eu tinha propósito, mas estava com dificuldades sérias de ajustá-lo ao meu dia a dia. Uma nova encruzilhada e a antiga frase reverberava em meu ser novamente: “eu sou uma fraude!”. E isso era só a pontinha do iceberg: são nítidas as consequências desse ambiente conflituoso no comportamento do meu pequeno. E mesmo que os adultos cuidem para que as crianças não presenciem momentos desagradáveis, elas sentem que algo não vai bem, elas são capazes de sentir a nossa alma.

Estou fugindo de quê?

Quando você decide mudar o rumo da sua vida, prepare-se. Certifique-se de sua clareza mental e controle emocional. É certo que muitos desafios aparecerão. E adivinha!! Não funciona correr, fugir, se esconder. Às vezes, alivia mesmo se trancar um pouquinho no quarto e chorar. Não resolve, mas alivia. Precisamos deixar fluir nossos sentimentos. A questão é: quando você abre a porta, os mesmos desafios vêm de encontro, às vezes de cara nova e outra roupagem. O que fazer? Lutar, brigar, tentar convencer o outro de que está certa? A gente sabe a resposta. Ter que provar algo a outra pessoa é agir a partir de uma resistência externa, é desgastante.

Os conflitos acontecem porque há um desequílibrio na relação e não ocorre assertividade na condução desses conflitos. Os pensamentos ficam turvos, os sentimentos descompensados e agimos impulsivamente. Respostas de luta ou fuga são acionadas como estímulos primitivos do nosso cérebro em situações de estresse. Saúde e felicidade são incompatíveis com o estresse. Vários processos internos do nosso organismo se desligam temporariamente porque precisamos direcionar a nossa energia para esse instinto de sobrevivência. O corpo sente. O corpo fala.

Não foi uma vez, nem duas, foram tantas discussões que é duro lembrar. Minha família, meu tesouro e meu maior desafio. Eu queria fugir. Do quê? De quem? Quando conseguia respirar melhor, me acalmar, dissipar a confusão mental em que me colocava, eram essas as perguntas que eu me fazia. Quanto mais abria a janela da minha alma, quanto mais luz deixava entrar, mais perceptível ficava a bagunça. A bagunça estava em mim, mas era escuro e eu não enxergava. Se está doendo em mim aqui, vai doer onde quer que eu vá. Como eu fugiria se levava junto a raiz dos conflitos que eu vivia? A boa nova é que, se clareei um pouquinho mais desse quartinho escuro interno, consigo arrumar o que estou vendo.

Aceitação da realidade

Eu consegui ver a minha bagunça, a minha verdade, o caminho que escolhi trilhar. Eu compreendi que era uma escolha minha e, claro, essa escolha afetaria outras pessoas, principalmente aquelas que seguiam comigo. Eu compreendi que existe a minha verdade e a verdade do outro, e a minha não era mais verdadeira ou correta, apenas era minha. Eu finalmente entendi que o óbvio, para mim, é só isso mesmo: óbvio para mim. Eu aprendi, primeiro na teoria e, depois, muito bem constatado na prática, que não vou convencer ninguém falando o que eu acredito. Aliás, eu nem tenho o direito de ficar convencendo alguém das minhas verdades. Enfim, aceitei, que o meu processo de evolução é único. Cada um tem o seu, no seu tempo. Aceitei a realidade como é.

Engraçado que, muitas vezes que falo de aceitação, isso não é bem aceito em nossa sociedade, a aceitação é logo associada a uma atitude passiva. Mesmo assim, eu quero lhe mostrar a forma como vejo. Se as coisas não estão ou não são como eu gostaria, tudo bem, eu aceito. Se uma pessoa não age como eu gostaria, eu aceito. Eu preciso aceitar os fatos como são neste momento. Lutar ou fugir não resolvem, lembra? E ainda gastam nossa energia de forma negativa.

Aceitar é um passo importante na compreensão de que a realidade que existe foi também criada por mim. Pensa comigo: os impasses na criação do meu filho só existem porque eu fiz a escolha consciente de buscar uma alternativa que considero melhor, mais natural. As discussões surgem quando resisto “bravamente”, rejeito o que se apresenta como realidade, a realidade que eu ajudei a criar. Quando aceito, abro o campo de possibilidades. Quando deixo de nutrir essa necessidade de convencer o outro do meu ponto de vista, me liberto para viver da maneira que acredito, sem essa dependência externa, entende?

Foco na solução

Apontar culpados é um escape para se isentar da responsabilidade. Uma vez aceita a realidade que cocriei e preservada a minha energia vital, posso direcioná-la à resolução das questões. Nesse caso, trago a responsabilidade para mim, a única pessoa em que tenho total poder de transformação e, o que antes era visto como um problema, se transforma em uma oportunidade de crescimento e de realização. O que o outro está me mostrando? Por que isso me incomoda? Como posso resolver essa situação dentro de mim?

No início, eu me desesperava e me perdia. Hoje, mesmo que aconteçam ainda conflitos, eu, cada vez mais consciente, respiro fundo, aquieto a mente e, então, reflito. Trazer à luz nossas sombras é, muitas vezes, doloroso, mas é necessário se queremos mudança. Dói perceber que, muitas vezes, eu brigava tentando convencer o outro de uma verdade que eu queria para minha vida, mas ainda não estava bem estruturada. Na verdade, eu estava tentando convencer a mim mesma de que podia ser diferente, que o açúcar faz mal mesmo e inflama o corpo, que eu posso ser firme com meu filho sem agressividade, que é possível uma vida mais simples e leve. Eu gritava com o outro para que eu mesma conseguisse me ouvir. Imagino que já tenha acontecido com você: quanto mais se grita, menos se ouve, a conexão se perde. Aprendi que preciso silenciar para uma escuta ativa.

Nós não fomos ensinados a voltar esse olhar para dentro e buscar nossas respostas, compreender nossas crenças e limitações. É um processo contínuo de observação, acolhimento e autoeducação. Não é fácil, mas é o caminho que permite um resultado diferente do que já é conhecido e, melhor, permite mudar o rumo dos acontecimentos e criar uma nova realidade.

Eu sou uma Fraude? 

Fraude… que palavra forte, né!? Não, eu não sou! Em cada momento da minha vida, agi com o conhecimento que tinha, com as condições que se apresentavam, e busquei sempre evoluir, segui a intuição. Não me agrido mais duvidando de mim mesma.

Essa frase foi importante para profundas reflexões. A partir dela, fui limpando a bagunça interna para aprimorar a minha vida autêntica, em que minhas ações falam mais que as palavras, para chegar aqui hoje e dizer que, tenho sim, muito a descobrir, aprender, melhorar, que os erros vão acontecer e eu estarei disposta a aproveitar as dificuldades e desafios como propulsores da verdade e do meu sucesso diário.

O Caminho para a Liberdade

Pelo que observei nesse meu processo e em experiências vividas por pessoas que acompanho, temos o impulso de buscar a cura de nossas relações em fatores externos. Isso é verdade para relações diversas, a relação com a comida, com o próprio corpo, com o ambiente em que se vive, com os filhos, com outras pessoas, com as finanças, com a criatividade, e por aí vai. Enquanto esse for o sentido do movimento, perdemos o bonde da nossa jornada, perdemos a chance de ir além e avançar para a estação seguinte.

Conceber a realidade, aceitar, responsabilizar-se e curar o que apenas eu posso curar. Voltar o olhar para dentro, enxergar e agir em coerência ao que se vê. Quando compreendi esse caminho, os dias se tornaram mais leves. As discussões e brigas diminuíram, continuo atenta ao que posso melhorar, mas sigo com confiança de que estou alinhada ao melhor que há em mim e à realidade que quero criar. E olha que incrível: as minhas ações silenciosas dizem muito e inspiram pequenas “mágicas” nos comportamentos dos outros em minha volta. É a vida fluindo de dentro pra fora, as sementinhas que plantei em minha alma germinando também em outros corações. A única cura capaz de libertar e transformar a realidade em que vivo é a cura de mim mesma, a autocura, a primeira cura para que todas as outras se tornem possíveis.

SOBRE A AUTORA

Cibele Calderan

Sou mãe do João de 3 anos, criadora do Espaço Vice Versa, movimento pela vida.

Saúde Holística, Nutrição Integrativa e Permacultura para Mães e Famílias com crianças de até 7 anos.