Queridas mamães, sou a Tânia, psicóloga, psicanalista, mãe da Milena e participante do Zum Zum. Hoje vamos falar de um tema muito importante para o desenvolvimento infantil: a ansiedade de separação. Ela é vivida por todos os bebês e a forma com que nós mães lidamos, faz toda a diferença para que o desenvolvimento transcorra de forma saudável.
Uma das psicanalistas que mais estudou essa fase de desenvolvimento infantil foi a Margaret Mahler. Ela foi pediatra e psicanalista nascida na Hungria em 1897, formou-se em pediatria em Viena e faleceu em 1985 em Nova York. Mahler construiu uma teoria sobre o desenvolvimento emocional primitivo baseada em sua experiência como pediatra e psicanalista e uma pesquisa realizada por ela com bebês de zero a três anos. Ela divide o desenvolvimento por fases, na qual a primeira seria a autística normal. Corresponde ao estado de sonolência em que vive o bebê nos seus primeiros dias de vida com uma ausência relativa de investimento nos estímulos externos. É através dos cuidados maternos que o bebê vai gradualmente caminhando para uma consciência sensória do meio ambiente. O objetivo desta fase é a aquisição do equilíbrio homeostático pelo organismo no meio extrauterino. Nesta fase, o bebê deve ser protegido contra excessos de estimulação, numa situação similar ao que aconteceu no útero materno.
A segunda fase é Fase simbiótica normal. Aqui há um estado indiferenciado de fusão com a mãe, na qual eu e não-eu, assim como o dentro e o fora ainda não estão diferenciados. A partir da terceira ou quarta semana de vida, uma consciência difusa de que a satisfação vem de fora, começa a acontecer. Isso marca o início da fase simbiótica normal, na qual o bebê se comporta e funciona como se ele e sua mãe fossem um sistema, uma unidade formada por dois seres, dentro de uma fronteira comum. A disponibilidade da mãe e a capacidade inata do bebê de se envolver no relacionamento simbiótico são essenciais para o bom desenvolvimento emocional da criança. Essa sensação de ser um com a mãe precisa ser vivenciada, a mãe precisa se deixar encantar pelo bebê, ele precisa ocupar o centro da vida dela nesse momento. A sintonia da mãe é tão fina nesta etapa, que ela se adapta as necessidades do bebê permitindo que ele vivencie um estado de onipotência, uma ilusão de que ele cria o mundo. Ele chora e a mãe aparece para satisfazer suas necessidades. Mahler chama atenção para tudo que ocorre na superfície total do corpo do bebê (a pressão que a mãe exerce ao segurar a criança, a sustentação física do corpinho da criança). Ao moldar o corpo da criança ao seu próprio corpo, a mãe imprime experiências cenestésicas globais (na vida adulta teremos a maior ou menor dificuldade para o contato físico).
A fase autística e a fase simbiótica são pré-requisitos para o estabelecimento do processo normal de separação e individuação. Separação é uma aquisição intrapsíquica de um sentido de desligamento da mãe. O bebê percebe que ele e a mãe são pessoas separadas delimitados pela pele e que possuem um dentro e um fora. Individuação é uma aquisição intrapsíquica que leva à consciência de uma individualidade distinta e única, de uma singularidade pessoal. A fase de separação e individuação é complexa e por isso, Mahler a divide em 4 subfases: 1) diferenciação; 2) Exploração; 3) reapresentação e início da constância objetal.
1) Diferenciação:
Acontece entre os 5 e os 9 meses de vida.
Caracteriza-se pela diminuição da dependência corporal da mãe, até então total. Coincide com a maturação das funções parciais de locomoção, como engatinhar, subir nas coisas e levantar-se. A criança mostra prazer ativo no uso de todo o seu corpo e volta-se para o mundo com curiosidade. São características deste período a investigação sensório motora primitiva do rosto, cabelos e boca da mãe, como também os jogos de esconde-esconde. Aqui ocorre o desenvolvimento da imagem corporal da criança. Ela começa a perceber que tem um corpo delimitado pela pele. É importante que a criança seja estimulada a se movimentar. A mãe pode colocar o bebê em um tapetinho com brinquedos para ele explorar, deixando o bebê vencer as dificuldades em pegar um brinquedinho que está um pouco mais longe de suas mãozinhas. Deve-se evitar deixar o bebê por muito tempo, em lugares que ele não possa se movimentar, como carrinhos, cadeirinhas de alimentação, etc. É interessante mesclar momentos de descanso com os momentos de mais atividade e movimento.
2) Exploração:
Se justapõe a fase anterior de diferenciação. Vai dos 7 – 10 meses até 15 – 16 meses. Mahler desdobra essa subfase em duas: exploração inicial e exploração propriamente dita. A primeira está justaposta com a fase de diferenciação quando a criança se torna capaz de se separar fisicamente da mãe engatinhando e levantando-se mesmo precisando de apoio. A segunda parte é caracterizada pela locomoção livre em postura vertical. O interesse da criança se desloca para objetos oferecidos pela mãe. Apesar do interesse se voltar para os objetos, o interesse pela mãe ainda é predominante. O bebê precisa da liberdade de explorar o mundo, mas necessita retornar para ser reabastecido emocionalmente pela mãe, através do contato físico com a mesma. Mahler observou que após esse primeiro distanciamento da mãe para explorar o mundo externo, a maioria dos bebês apresenta um período de ansiedade de separação. O bebê não gosta de perder sua mãe de vista. Permanecem ligados a ela não apenas quando estão no colo, mas também vendo-a, ouvindo-a mesmo que a certa distância. Nesse período, algumas mães podem se sentir ameaçadas com a autonomia desenvolvida por seus filhos e acabam interrompendo a exploração dos mesmos, criando ambivalência e dificultando o prazer que a criança tem direito a experimentar nessa fase. Outras mães passam a ter o sentimento de que seus filhos já estão completamente independentes e se afastam emocionalmente. O ideal é que a mãe se sinta confiante de que seu bebê pode fazer as coisas longe dela, sem, no entanto, abrir mão de seu papel de estar conectada ao seu filho. Isso vai alavancar o sentimento de segurança da criança e ir trocando a onipotência mágica pela autonomia. Na segunda parte desta subfase, a criança vive um caso de amor com o mundo. Ocorre um grande investimento em suas capacidades, a tal ponto que observamos certa insensibilidade com batidas e quedas. O bebê fica tão absorvido com suas próprias atividades que parece se esquecer da presença da mãe, desde que possa retornar a ela para reabastecer-se. Nesta fase é muito importante a sensibilidade da mãe para suportar as idas e vindas de seu filho, de tolerar momentos de dependência e independência, sem interferir no ritmo de seus filhos.
3) Terceira subfase: Reaproximação:
Ocorre dos 15, 16 meses aos 25 meses. A criança apresenta uma crescente diferenciação cognitiva e emocional, e se torna mais sensível à frustração e a presença da mãe. Mahler notou um incremento da ansiedade de separação quando a criança descobre que a mãe não está automaticamente ao seu lado. Na fase anterior havia uma criança pouco preocupada com a presença materna, mas agora temos uma criança com conduta ativa de reaproximação e permanentemente preocupada com a presença materna. Agora tem necessidade de que a mãe compartilhe de cada nova aquisição, habilidade, experiência – daí seu nome reaproximação. O reabastecimento emocional no estágio anterior é substituído por uma busca constante de interação com a mãe, pai e outros familiares, num nível de simbolização mais elevado, com o desenvolvimento da linguagem e do brinquedo simbólico. Entre os 18 e 24 meses o bebê se dá conta que o mundo não é seu umbigo, que deve enfrenta-lo com seus próprios recursos, mais ou menos como um indivíduo separado, relativamente desamparado, e que não obtém alívio para as necessidades apenas porque deseja. Se dá conta que nem tudo é adivinhado pelo mundo. Nessa subfase, enquanto a individuação prossegue e a criança exercita-a ao máximo, ela também se torna cada vez mais consciente de sua separação, e emprega todos os tipos de mecanismos para resistir a isso. O bebê compreende que seus pais são indivíduos separados com seus próprios interesses, e eles devem renunciar gradualmente à dolorosa ilusão de sua grandeza. A relação mãe-bebê fica vulnerável. A tentativa de reaproximação muitas vezes é vivida pela mãe como insuportável, por ela ser novamente exigida, tendo que estar disponível, quando pensava já estar com um bebê “quase independente”. O ideal é que a mãe suporte nesse período, se transformando em continente para essa crise, e que “intua” que seu filho não regrediu.
4) Quarta subfase: Inicio da constância de objeto emocional.
Ocorre entre os 26, 27 meses até uma data não muito bem definida. Tem como objetivo atingir uma individualidade definida para toda a vida e obter um certo grau de constância objetal. Há uma clara internalização de exigências parentais. O estabelecimento de que chamamos “constância objetal afetiva” depende da internalização gradual de uma imagem interior positiva e constante da mãe. Implica também na integração do bom e do ruim, que a mãe que nutre, dá amor é a mesma que frustra, que eu posso amar e ter raiva da mesma pessoa sem haver nenhum dano a ela. Outros fatores que contribuem para aquisição da constância objetal são: maturação, predisposição inata, teste da realidade, tolerância a frustração e a ansiedade. Para Mahler a constância Objetal não ocorre antes dos 3 anos de idade. A partir disso, a mãe pode ser substituída na sua ausência, pelo menos em parte, pela presença de uma imagem interna na qual se pode confiar e que permanece relativamente estável a despeito das coisas.
A ansiedade de separação é um processo normal saudável na qual todos os bebês passam. É importante desde cedo já ir sinalizando que a mamãe sai, mas ela volta, que enquanto isso a vovó ou qualquer outra pessoa vai cuidar muito bem dela. Quando a mãe chegar em casa, pode dizer que a mamãe voltou e dedicar um tempo para o bebê. Esse movimento da mãe ir e voltar é muito importante, assim como as brincadeiras de esconder e achar. Se a mãe e os cuidadores entendem como essa fase acontece e se colocam disponíveis a vivencia-la junto com o bebê a tendência é que tudo se desenvolva bem. É importante que a mãe permita a entrada de outras pessoas da sua confiança para auxiliar nos cuidados com o bebê. Aqui o papel do pai também é muito importante no sentido de facilitar a saída da fase de simbiose representando o mundo bom que poderá acolher o bebê e mostrar o mundo fora da mãe.
A ansiedade de separação fica preocupante quando sua intensidade e sofrimento é grande demais, quando o bebê não se acalma com outra pessoa que já tem costume apenas com a mãe.
Fatores que podem levar a isso:
Em geral, quando a mãe e os cuidadores se dedicam a criança, oferecem respostas emocionais para as necessidades dela, conversam sobre os sentimentos vivenciados pela dupla mãe – bebê, percebem os possíveis entraves para o bom desenvolvimento e mudam sua conduta, as coisas vão entrando nos eixos. Quando a família não consegue realizar as mudanças sozinha ou não consegue perceber o que está acontecendo para o bebê sofrer tanto é necessário ajuda de uma psicoterapia pais – bebê.
A ansiedade de separação quando não foi bem vivenciada nesta fase de desenvolvimento na qual estamos nos referindo, ela pode voltar ao longo da infância, adolescência ou mesmo na vida adulta. Atendi uma criança de 8 anos com ansiedade de separação: tinha um sentimento muito forte que se estivesse longe dos pais, eles iriam morrer ou algo muito grave iria acontecer. Ele não conseguia mais ir para escola e quando os pais saiam ele quase morria de tanto chorar. Em grau menor observamos isso em alguns adolescentes e adultos que tem a sensação que se estiver longe do namorado (a) tudo irá se acabar, como se os sentimentos não sobrevivessem a ausência. Nos casos em que a ansiedade de separação aparece de forma a causar sofrimento fora da idade esperada é importante procurar uma avaliação profissional, pois provavelmente haverá necessidade de uma psicoterapia para auxiliar na elaboração e superação destes sentimentos.
Espero que vocês tenham gostado do texto. Estarei de volta no próximo mês. Abraços!
SOBRE A AUTORA:
Tânia Oliveira de Almeida Grassano
Psicóloga formada pela UFMG. CRP-04/19643
Psicanalista: Membro efetivo e docente na Sociedade Brasileira de Psicanalise de Minas Gerais – SBPMG.
Realiza atendimento em psicoterapia individual de crianças, adolescentes e adultos. Atua também com psicoterapia pais-bebê.
Os atendimentos são realizados em BH, próximo à praça da Liberdade.
Tel: (31) 30725974