Queridas mamães, sou a Tânia, psicóloga, psicanalista, mãe da Milena e participante do Zum Zum, estou de volta para falar de um tema que eu julgo ser muito importante e relativamente pouco comentado. Pretendo escrever sobre a prevenção primária de problemas emocionais e doenças psiquiátricas. Vou abordar a importância da vida intrauterina, o nascimento, os cuidados emocionais com o recém-nascido e como podemos contribuir para o desenvolvimento emocional saudável dos nossos filhos. No próximo mês escreverei sobre o desenvolvimento emocional do recém-nascido até a “adolescência dos bebês” aos dois anos de idade. Esse texto e o próximo juntos darão uma visão muito boa a respeito da prevenção primária e o nosso papel como mães nesse processo.
Para a eclosão de uma doença psiquiátrica é necessário haver uma pré-disposição genética e fatores ambientais que contribuam para o seu desenvolvimento. Com relação ao fator genético, não temos o que fazer, mas temos como possibilitar um ambiente propício a construção da saúde. Como? Vou explicar separadamente, em cada fase do desenvolvimento.
Pesquisadores de diversas partes do mundo se dedicaram ao estudo do feto na barriga da mãe e fizeram descobertas incríveis. Uma destas descobertas é que o feto possui uma vida mental. O bebê antes mesmo de nascer é um ser inteligente, sensível, apresenta traços de personalidade. Ele tem uma vida afetiva e emocional, nesse momento, ligada as suas experiencias com a mãe, que já possui uma comunicação tanto emocional como fisiológica com seu bebê. Todas as experiencias que passamos ficam registradas na nossa memória celular. Esses registros ficam impressos e guardados de forma inconsciente ainda sem uma representação mental. Para um melhor entendimento darei um exemplo de uma pessoa que atendi alguns anos atrás. Ela esteve dentro da barriga de sua mãe com o seu irmão gêmeo. Ela nasceu pequena, franzina, mas saudável. Seu irmão nasceu grande, robusto, mas não sobreviveu. O que ficou inscrito dentro dela e guiou sua vida por muito tempo de forma inconsciente foi que ela tinha que viver com pouco. O irmão se alimentava mais, era maior, ficava com a maior parte dos nutrientes e morreu. Ser muito grande (em todos os sentidos) e ter muitas coisas era muito perigoso. Assim, tinha que se contentar com muito pouco para sobreviver. Só com a psicoterapia já na vida adulta ela conseguiu tomar consciência, elaborar e nomear essas vivencias para conseguir viver de forma diferente.
Segundo, Marie Claire Busnel, grande pesquisadora francesa, o estresse materno afeta diretamente o feto. O estresse é entendido aqui como o efeito de uma agressão física, psíquica ou emocional. O termo agressão diz respeito a tudo que é capaz de provocar sofrimento, que tire a mulher da homeostase. Alguns exemplos são: perda de um ente querido, doença nela ou na família, abandono pelo marido, ser agredida verbal ou fisicamente, passar por um susto muito grande, etc. Se a mãe está em sofrimento, o feto é atingido. Os diferentes tipos de estresse que podem afetar o bebê são: os transmitidos pela sua fisiologia, isto é, a variação do seu ritmo cardíaco, da pressão arterial, da respiração, dos efeitos hormonais, da comunicação que são produzidos por uma agressão. Há o estresse produzido também pelo efeito de drogas, álcool e cigarro e o estresse físico, quando a mulher é submetida a violência física, excesso de calor, infecções, depressão, desnutrição, muito barulho, etc. Os efeitos do estresse no feto afetam tanto a nível psíquico quanto na saúde física. Há estudos que indicam que uma mãe exposta a muito barulho durante a gravidez pode afetar o desenvolvimento da área auditiva do bebê. Bebês cujas mães passaram por períodos longos de estresse durante a gravidez, apresentam com maior frequência, problemas de imunidade baixa, recorrendo mais vezes a serviços de emergência.
Nesse contexto vocês podem me perguntar: mas Tânia, não podemos ter controle de tudo que possa nos estressar na gravidez. Podemos evitar lugares barulhentos, nos cuidar de forma global, e o que não depende da nossa vontade? Quanto a isso tenho boas notícias! Segundo esta mesma pesquisadora: “o apoio psicológico e fisiológico dado a mãe que está passando por uma situação de sofrimento, melhora muito a situação psico-fisiológica do bebê.” (Busnel). Assim, se você está grávida e passando por um período de turbulência muito forte, é importante buscar ajuda: um colinho gostoso dos amigos e familiares, os grupos de troca de experiências para grávidas, uma psicoterapia, ajuda médica, etc. Na medida que vamos conseguindo lidar com os eventos que nos estressam no sentido de elabora-los, isto também vai ficando mais fácil para o bebê. O mais importante é que não percamos a conexão com o nosso filho. Podemos conversar com ele, explicar o que está acontecendo e acolhe-lo mesmo dentro da barriga.
Uma outra descoberta importante foi que existe uma continuidade referente a aspectos da personalidade do bebê dentro e fora da barriga. Alessandra Piontelli, psicanalista italiana, observou através do ultrasson, fetos a partir do terceiro mês de vida uma vez por semana. Observou-os também após o nascimento com maior frequência no primeiro ano de vida e menor frequência até os 5 anos. Ela publicou essas observações no seu livro intitulado “Do feto a Criança”. Ela conta a história de Pina. Pina era um bebê muito ativo dentro da barriga de sua mãe. Em um ultrasson realizado por volta da vigésima semana de gestação, observou-se Pina depois de chutar e se movimentar bastante, aproximar a mão na placenta e começar a manipula-la, puxando-a em sua direção. Nesse momento, o ultrassonogravista intervém dizendo: Cuidado Pina! Pare com isso! É perigoso o que você está fazendo. Pode descolar a placenta. Alguns dias depois, a mãe começa a apresentar um grave sangramento. Os médicos decidem mantê-la em repouso e receitam altas doses de medicamentos. Havia a possibilidade de um abordo iminente. A partir disso Pina perde a vivacidade e para de se movimentar. Se enfia num canto do útero e fica encolhida em posição transversal, imóvel. O parto teve que ser por cesariana devido a posição que ela estava. Foi muito difícil retira-la. Quando Pina estava com mais ou menos 2 meses, Piontelli via uma bebê com olhar muito vivo e curioso. Gosta de explorar o mundo em sua volta, no entanto, parece muito assustada. Fica insegura no colo, como se estivesse sempre temendo cair. E apresenta problemas com a alimentação. A mãe associa esse evento com as drogas que precisou ingerir após a iminência do aborto e que Pina deve ter se sentido envenenada. Aos 3 anos tem muito medo do mar, tem pesadelos. Através de um desenho demostra que sabia que quase fora levada por uma correnteza. Isso tudo nos mostra que o psiquismo começa a se formar muito cedo. O normal e saudável é que haja um desenvolvimento continuo. Quando ocorre algo que quebra essa continuidade também deixa marcas. A iminência do aborto deixou marcas em Pina e provavelmente em sua mãe. Com o conhecimento que temos hoje, talvez o sofrimento de Pina tivesse sido amenizado se o profissional de saúde tivesse acolhido a mãe no momento da iminência de aborto, se tivesse conversado com Pina sobre o que havia ocorrido, sobre quais as medidas estavam sendo tomadas e que ela poderia ficar tranquila, pois ainda estava protegida na barriga da mamãe. Quando a mãe percebesse que ela estava insegura no colo ou sem querer comer poderia dizer que ela passou um momento de muito medo dentro da barriga da mamãe, achou que seria levada por uma correnteza, foi necessário alguns medicamentos para que ela e a mamãe ficassem bem e o medicamento deve ter dado um gostinho meio ruim lá dentro, ela podia ter se sentido mal, mas ficou tudo bem e agora ela estava segura no colinho da mamãe e podia mamar um leitinho gostoso que não faria nenhum mal à ela.
O nascimento é um momento muito importante. É uma etapa da vida humana. Uma passagem da vida uterina para a vida pós-natal. Primeira separação vivenciada por nós. Para Myriam Szerjer o trauma pode ocorrer de acordo com as condições em que o nascimento ocorra. Para essa autora no parto normal a criança avisa quando está preparada para nascer, há uma passagem da vida intrauterina para a vida pós-natal. As contrações fazem uma espécie de massagem na criança e permitem a maturação final de seu sistema respiratório. Na cesariana programada a criança é retirada, nada a prepara para a rápida transição para a via aérea e constitui para essa autora uma violência que só deve ser realizada se houver extrema necessidade. Caso seja necessário fazer uma cesariana, converse com o seu bebê, diga a ele que ele vai passar de dentro da barriga para os seus braços. E que o médico irá retira-lo. Depois converse novamente, que ele nasceu e está super saudável em seus braços. No momento logo após ao nascimento é adequado que o bebê não se separe da mãe, que fique em contato pele a pele com ela, que possa mamar na primeira hora do nascimento. Isso cria um continuo entre a vida intrauterina e a pós-natal. O contato pele a pele, a voz, o calor, o cheiro, as batidas do coração materno, a voz do pai, o silêncio, a penumbra, dão ao bebê um sentimento de segurança, de continuidade. Converse com o seu médico, inclua no seu plano de parto o desejo de que seu bebê não saia de perto de você, a menos que corra algum risco. Diga que você quer dar o primeiro banho no quarto. Prepare seu companheiro para reivindicar que tudo isso seja atendido no momento do nascimento.
Quando dá tudo certo no parto, o bebê nasce bem, sem nenhuma necessidade de cuidados médicos, é maravilhoso. E quando nem tudo sai do jeito que gostaríamos? Aí é um sofrimento para pais e bebês. Quando os bebês precisam ser submetidos a procedimentos invasivos, ser separados dos pais, o que podemos fazer para tentar minimizar os danos? Se tivermos chance podemos conversar com o bebê antes, acolhe-lo, explicar o que está acontecendo. Por exemplo: meu amor, a Dra vai ter que te levar para fazer uma pequena cirurgia, a mamãe não vai poder ir, mas vai estar aqui com o pensamento em você o tempo todo, rezando para ficar tudo bem. Assim que eu puder irei te ver. Pode ter alguma situação que não dê tempo de conversar, mas assim que você ver a criança novamente pode fazê-lo. Enquanto isso, tente sensibilizar algum médico ou enfermeira que tenha acesso ao local que o bebê estiver para conversar, explicar e acolher mesmo que seja somente com a voz e com o olhar. Infelizmente, nem todos os profissionais que lidam com bebês são capazes de percebe-lo como um todo, com corpo e psiquismo. Geralmente, só cuidam do corpo. Lute para ficar perto do seu filho o maior tempo possível. Olhe seu filho nos olhos, não perca a conexão, toque nele sempre que conseguir. Se seu filho nascer prematuro peça para fazer o método canguru. O olhar apaixonado da mãe, sua voz e o contato corporal é tão importante quanto o leite que alimenta e com certeza faz milagres acontecerem. Esteja o máximo possível ao lado dele, converse, explique….com certeza isso vai ajuda-lo e muito.
Você pode me perguntar: Tânia passei por tudo isso e não fiz o que você sugeriu, e agora? Se você notar algum comportamento no seu filho que te remeta ao que vocês vivenciaram no passado ainda vale a pena conversar. Pode usar o exemplo que dei quando descrevi a Pina logo acima. Pode contar uma história sobre o que aconteceu usando até outros personagens, mas com sentimentos semelhantes e com o bom desfecho, enfatizando a segurança e o apoio. Mas se o seu filho apresentar um sintoma mais grave e persistente, o ideal é procurar uma psicoterapia pais – bebê (zero a 3 anos) ou psicoterapia infantil (a partir de 3 anos).
Espero que eu possa ter contribuído de alguma forma. Junte-se a nós na luta pela humanização dos cuidados com o bebê. Compartilhe essa idéia.
Até mês que vem!
Este texto foi escrito por: Tânia Grassano, psicóloga, psicanalista, mãe da Milena e participante do Zum Zum.
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