Começo com a citação de Nelly Coelho: “Quem teria inventado essas histórias que os avós dos nossos avós já conheciam e contavam para as crianças, nas noites de serão familiar?”
Existe uma discussão entre pedagogos, pais, teóricos frente a utilização dos contos de fadas como recurso de mobilização da aprendizagem. E adianto, tenho uma grande simpatia pelos contos de fadas!
Venho aqui defender enquanto usuária, profissional e como mãe também!
Acredito e confio que os contos de fadas me ajudaram a elaborar algumas questões. Lembro de que me lembrei na infância – enquanto passava por um momento desafiador – da história do Patinho Feio. Este conto me ajudou a entender que o fato do estranhamento que as crianças, as quais convivia, sentiam por mim, revelava na verdade a minha natureza que era diferente frente às demais. E eu, que me sentia desconfortável e triste neste cenário, entendi que mais cedo ou mais tarde encontraria o meu “bando”, assim como aconteceu no final dessa história.
Um pouco mais adiante na fase pré-adolescente que é por si só desafiadora, encontrei na escrita dos diários uma forma de extravasar as minhas emoções e muitas vezes lá, referia-me a minha mãe como madrasta bruxa ao mesmo tempo que seguia confiante e esperançosa em mim mesma que aquele contexto era temporário. Aliás, isso é uma característica marcante nos contos de fadas: a recompensa sempre se dará na ascensão de ordem espiritual ou existencial da personagem. Percebi nessa dinâmica como foi importante desenvolver esta narrativa interna. Poder me enxergar e estabelecer um diálogo comigo mesma, de fato me ajudou!
Se observamos o transcorrer da história da humanidade, os registros das histórias aconteciam por meio da oralidade – uma vez que não existia a escrita – de pessoa para pessoa ou por aquela que era vista pelo o grupo como o mais experiente ou o mais sábio ou aquele que assumia o papel social na família, na figura da mãe, avós, bisavós. Uma espécie de responsável ou guardiã da memória familiar.
Por outro lado, se analisarmos que o ser humano passou e passa por um aperfeiçoamento no desenvolvimento das suas etapas de aprendizagem, poderemos entender o caminho que os contos de fadas percorrem.
Isso quer dizer que tivemos ou fomos esses adultos – e se olharmos bem ainda hoje temos pessoas assim – que emocionalmente, cognitivamente, mentalmente apresentam imaturidade neste desenvolvimento, seja por questões subjetivas ou orgânicas, e que transmitiam e transmitem esse conhecimento de geração a geração da forma em que os mesmos compreendiam e compreendem o mundo. Resumo: um dia fomos adultos que entendíamos o mundo como crianças! Que maravilha!
Haja vista que Cristo trouxe os seus ensinamentos não só pela sua atitude, mas por suas parábolas, pelo simples trouxe a forma que garantisse a sua compreensão. Certo? E a simplicidade também é um ponto determinante nos contos de fadas – a diferenciação se dá pelo simples, pela dicotomia de Jung ou pelo jogo de Luz e Sombra de Steiner. Quer dizer que nos contos de fadas não existem elementos que são bons e ruins ao mesmo tempo. Terá aquele que é bom e aquele que é mal, aquele que é belo e aquele que é feio.
O universo onírico marcante na criança em suas primeiras etapas de desenvolvimento encontrou nessas histórias contadas e recontadas de geração em geração acolhimento e aqui abro um parêntese explicando a origem do termo CONTOS DE FADAS que a grosso modo significa: “relato de algo que se cumpriu” e que encontrou expressão na esfera do imaginário fantástico.
Para a criança tudo está apenas acontecendo. Simples assim. Nessa fase que vai até os 7 anos (considerando que esse intervalo não é rígido, podendo ser mais ou menos) a criança tem dificuldades de diferenciar o que é real do que é imaginário, diferenciar o sonho do real, ou o sonho do imaginário. E é, segundo Steiner, nesta atmosfera permeada de encantamento, poesia, e fantasia que o conto de fadas traz em si: representações que concernem à natureza humana (o bem e o mal, a riqueza e a pobreza, o belo e o feio, a vida e a morte, etc) servindo também de alimento à alma humana enquanto símbolos, e arquétipos de forma atemporal, sendo verdadeiro tesouro da humanidade.
Jung fala que os contos de fadas, do mesmo modo que os sonhos, são representações de acontecimentos psíquicos. Enquanto os sonhos apresentam-se sobrecarregados de fatos de natureza pessoal, os contos de fadas encenam dramas da alma, com materiais pertencentes em comum a todos os homens.
Então, os contos de fadas dialogam diretamente entre o contexto existencial e real dos adultos e o universo da criança, num contexto poético e imaginativo, em que a criança se debruça na dinâmica da sombra e da luz, construindo ensaios de vivências inconscientes em que a melhor forma de superar algo é entrando em contato com o mesmo. E o politicamente correto posterga, nega, e evita tais vivências.
Bettelheim (autor do livro A Psicanálise dos Contos de Fadas) entre outros pesquisadores, dedica uma boa parte dos seus estudos explorando o tema “dos contos de fadas convenientes” que dá um outro rumo ao subjetivo. Diria que a Disney acabou trabalhando de forma rasa toda a carga simbólica e arquetípica presente nos contos de fadas em sua origem.
Carlgren e Klingborg são dois autores que escrevem sobre o conteúdo escolar para Escolas Waldorf e fazem a seguinte citação em relação aos contos de fadas: “Nenhum outro tipo de poesia mostra de forma tão explícita as possibilidades de transformação inatas no ser humano”.
Bettelhein, então vai ao encontro da Antroposofia, falando que a forma e a estrutura dos contos de fadas sugerem imagens à criança com as quais ela pode sustentar seus devaneios e com eles dar melhor direção à sua vida”. Steiner segue então a rota da expansão, já que os contos de fadas apresentam o mundo em suas adversidades à criança. Enquanto Jung o de contração, no autoconhecimento em que a criança se reconhece, toma contato e ressignifica a sua própria história.
Enquanto leio o conto de fadas para o meu filho, posso perceber, por exemplo a dificuldade dele em lidar com algumas temáticas (todas escolhidas por ele). Dos sentimentos ou emoções que ele apresenta, com o que ele fica triste ou feliz em determinada história? Quando pergunto a ele – Se você pudesse escolher uma personagem qual você seria? Ou se pudesse mudar o final da história o que você mudaria? Observo tudo atentamente.
E é por meio da leitura dos contos de fadas clássicos, que se estabelece esse diálogo, que se abre campo em conhecer o que está velado nele mesmo, que meu filho se desconhece, não elabora, mas que de forma profunda, real acontece e sente.
É considerar que os contos de fadas falam à criança sobre tudo de forma indelével. É a possibilidade que o adulto tem de apresentar o mundo à criança, e que a criança tem, neste isento faz de conta, de se apropriar na sua própria personagem, resolvendo questões, enxergando soluções, gerando possibilidades; enfim encontrando no conto aquilo que Gutfreind propõe na “metáfora curativa”, acolhida naquilo que os contos de fadas possibilitam enquanto “metáfora terapêutica”, perfazendo assim o caminho do simbólico na ressignificação.
Este texto foi escrito pela Bianca Vasques, participante da primeira turma do Zum Zum de Mães, ela é Mãe, Psicopedagoga e Arteterapeuta.