Nasce uma mãe, nasce uma culpa. Ninguém discute. Há dois anos, no entanto, descobri um outro parto. Nasce um irmão, nasce uma pergunta: Ele tem ciúmes?
Meu filho mais velho já estava com 8 anos quando a irmã nasceu. Sempre achei intrigante essa curiosidade quase mórbida das pessoas sobre ciúme entre irmãos. E mais intrigante ainda é perguntar em terceira pessoa (ELE tem ciúmes?), ignorando a presença da criança ali, como se ela fosse invisível.
Na primeira vez que ouvimos esse questionamento, os olhos do Miguel me fitaram curioso, ele também, pela resposta. Respondi com um sorriso à la Monalisa, fiz minhas considerações e mais tarde conversei com ele sobre isso. Hoje, quando alguém pergunta, nossos olhos se dizem: “Lá vem a pergunta do tempo”. Sabe as perguntas do tempo? Quando você entra em um táxi e um será-que-vai-chover surge com naturalidade?!
Você pode estar como os curiosos olhos do Miguel, caçando a resposta para minha pergunta. Afinal, o que ela responde?
Quando eu estava grávida, pesquisei bastante sobre ciúme entre irmãos. Estava a procura de uma fórmula mágica de harmonia do lar! Mesmo não sendo mãe de primeira viagem, minha insegurança diante da novidade me jogou direto para esse espaço ilusório de que alguém me passaria o pó mágico para resolver qualquer problema, entre qualquer pessoa em qualquer ocasião.
Em uma dessas pesquisas, uma pessoa usou uma metáfora que foi muito esclarecedora:
“Imagina você que, numa sociedade monogâmica, seu marido chega em casa com uma nova mulher. E diga para você que você precisa amá-la e respeitá-la imediatamente. Você vê todos os dias o tempo que você passava com seu marido dividido entre você e essa nova mulher.”
Nesse dia, eu dei um clique! Por que eu deveria supor que meu filho precisava amar e respeitar imediatamente a irmã? E aceitar tranquilamente que o tempo dele seria redividido? É claro que a gente é levado a ter empatia por um bebê. Mas vamos voltar a usar nossa imaginação:
“Maria está no saguão do aeroporto e avista uma pessoa com um bebê! Ela passa e troca com ele sorrisos em alguns gu-gu-da-dás. Quando Maria descobre que a mãe e o bebê estão no mesmo voo que o seu, o primeiro pensamento de Maria pode ser ‘tomara que não chore’, ou ‘tomara que durma’ ou qualquer coisa do tipo para que não a incomode.”
Guardadas as devidas proporções, não há como negar que haverá uma nova divisão de tempo e espaço com a chegada de um irmão e que foi para mim importante chegar a um ponto revelador: o amor é construção.
Naquela primeira vez que aqueles olhos de jabuticaba do meu filho me fitaram querendo saber a resposta, eu dei uma respirada profunda. E falei com uma voz firme e gentil: o amor é construção.
A pessoa me olhou com cara de que eu estava doida! Ela esperava um sim ou não e eu nem um talvez falei! Esperei o espanto passar um pouco e continuei: A gente não ama ninguém imediatamente… esse amor à primeira vista só existe em contos de fadas. O amor entre eles está sendo construído pouco a pouco, dia a dia. Senti Miguel aliviado.
E isso também tirou de mim um peso. Entender que tudo é um processo. Nomear os sentimentos envolvidos sem julgamentos ou valores morais ajuda a deixar o caminho para essa construção do amor mais leve e sadia.
Porque a pergunta ele tem ciúmes vem cheinha de julgamentos, afinal, ciúme, assim como a raiva, não é um sentimento muito bem visto na sociedade.
O entendimento de que o amor entre meus filhos, Miguel e Gabriela, vai se construindo, como algo em movimento constante, com altos e baixos, criou um espaço para que ele verbalizasse o que se passava em seu mundo interno. Não que isso tenha sido o meu pó mágico exterminador de problemas, mas humanizou a nossa relação. Tirou tudo do automatismo e nos colocou como pessoas, conectadas com as situações presentes e com os desafios de cada um.
Muitas vezes não conseguimos, nós adultos até, elaborar o que estamos sentindo. Somos tomados por raivas, histeria, tristeza e temos dificuldades em compreender esses sentimentos. O espaço que se formou ali, na resposta à pergunta, se ampliou ao ponto de Miguel conseguir um dia elaborar o que sentia. Chegou no pé do meu ouvido e disse: – Mamãe, eu amo a minha irmã, mas eu não estou gostando da vida que a gente está levando!
Meu mundo parou por alguns extensos segundos. Claro que ele poderia não estar gostando. A Gabi chorava dia e noite sem parar com muitas cólicas, refluxos e suspeita de alergia à proteína do leite da vaca. Eu tinha parado de comer muitas coisas para não ter que parar de amamentar.
Meu ímpeto era dizer: Como você pode falar isso??? Mas agradeci o fato de ele me contar o que estava sentindo e perguntei o que estava incomodando.
Conversamos sobre como estava sendo difícil para todos, mas que provavelmente, em breve essa fase passaria. Peguei fotos e comecei a lembrar sobre quando ele também era bebê.
É claro que o espaço que criamos para sermos sinceros em relação ao nosso sentimento não nos impediu de agir de modo impetuoso algumas vezes. Eu tenho um objetivo no meu modo de maternar que é possibilitar que meus filhos sejam autênticos em relação a si mesmos. Desejo que não se escondam por meio de comportamentos que só irão gerar elogios. Quero encorajá-los a ser quem eles realmente são. Claro que isso não é fácil, por ainda estamos quebrando o paradigma de que para ser aceito e amado preciso ser somente agradável.
E vou te contar! Como é difícil! Mas é totalmente necessário! Agora me vem a imagem da Clarissa, aqui do Bee Family, falando sobre caminhar na direção da consciência plena. Um caminho meio pantanoso no começo, que vai melhorando. É preciso confiar no processo. Confiar e agradecer.
Não é só o amor entre irmãos que está sendo construído. O amor entre filho/filha e mãe/pai também está, diariamente. Mas agora a gente já pode se olhar e rir da pergunta-padrão que fazem quando sabem que são irmãos.
Este texto foi escrito por: Ana Paula Nogueira, mãe do Miguel e da Gabriela, Participante da Turma 6 do Zum Zum de Mães.
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