Para ter aceitação própria é preciso deixar de comparação, deixar de medir força, altura e qualidade da emoção, reconhecer tranquila tudo que é limitação.
Não sou fada nem bruxa, nem santa nem puta, nem dia nem noite, nem fogo nem água, nem terra nem ar, nem louca nem sã. Sou na verdade tudo isso e nada disso, porque na verdade nada sou, eu apenas estou.
Já tentei desesperadamente me encaixar, no espaço da cama, no colo de alguém, no banco de traz, na vida de quem eu não cabia, no espaço apertado entre o fogão e a pia, na barra da saia, no sofá cama, na mesa de jantar, na baia da vizinha, na cadeira da escolinha.
Já disse que estava bom quando estava péssimo, já disse sim quando queria dizer não, já sorri quando queria chorar, comi mingau quando queria mamar, já fui embora quando na verdade tudo que eu mais queria era ficar.
Já fiz coisa errada só para ser aceita, só para me acharem legal, já engoli sapos, vinhos baratos, mentiras e verdades, de tanto não querer machucar nem ferir, me corrompi numa versão pequena do que estava por vir.
De tanto fugir, de tanto falar o que as pessoas queriam ouvir, eu quebrei por dentro e depois por fora, os pedaços foram por todos os lados, quis colar tudo correndo, o que vão pensar? Que eu não sei lutar? Na pressa atropelei tudo de novo, mas agora entendi que as peças demoram a se encaixar. O corpo é o último que resiste, ainda não entendeu que estamos recomeçando, restartando, estou aos poucos renascendo de mim mesma, arrebentando as duras cascas do ovo, sendo parida de novo.
E eu sou dessas que barganha com Deus: Mas eu fui tão boazinha senhor! Por que precisa ser com dor? E tudo que eu fiz e doei em nome do amor? Daí ele mandou um anjo ao meu quarto e me falou: Mas e o amor avassalador por você mesma, já aflorou? E o rio que nunca fluiu porque você não permitiu? E o furacão que nunca arrancou as crenças que você cravou? E o fogo que você apagou quando ele a iluminou? E a Terra suave que os teus pés tocaram e você subitamente os calçou?
Me disse para eu ir sem roupa, sem guarda-chuva, sem boia, sem bote, sem bota, sem nada. Estou com medo, mas vou, porque aos poucos o medo deixa de me guiar, estou com medo, mas não o sou, não estou mais sozinha, tenho a mim mesma, por isso digo: Sim, eu vou.
SOBRE A AUTORA:
Mãe da Ive de 4 anos, Geóloga, Participante da turma 5 do Zum Zum de mães, Educadora Parental pela Positive Discipline Association.
@viviancpessoa