Em tempos como esses que estamos vivendo, faço o exercício desafiador de olhar ainda mais para dentro. Descubro então, a linha tênue que existe entre o cenário político e nossas emoções mal resolvidas.
Consigo perceber claramente que meus desafios diários comigo mesma, com os meus condicionamentos e padrões de controle que, refletem diretamente na minha maneira de maternar e consequentemente na minha saga contínua pela desconstrução pacífica desses mesmos padrões são, na (triste) realidade, o reflexo de um modelo fadado ao fracasso.
O mesmo desafio que sinto sobre minhas questões corriqueiras do dia a dia com meu filho de dois anos e oito meses, são na realidade os desafios do nosso cenário político que, de um lado manifesta claramente a obsessão pelo controle, que por sua vez, revela o autoritarismo acima de tudo e de todos, que não abre espaço para a troca e portanto impera o desejo de apenas uma das partes envolvidas.
Veja bem, a frase do “não podemos dar aquilo que não recebemos” é bastante coerente e verdadeira. Vivemos gerações e gerações dessa criação controladora e autoritária, sendo assim criamos seres humanos controladores e autoritários que por sua vez, desejam exercer controle e autoritarismo sobre outros seres humanos. A matemática é simples apesar de devastadora e, é justamente por isso que se faz necessário um olhar bastante cauteloso quando o assunto é criar nossos filhos com escuta ativa e de maneira amorosa visto que eles são a representação mais palpável do futuro da nação. É urgente exercitar o que não nos foi dado para que nossos filhos possam ser melhores versões, trocando o controle e autoritarismo pela cooperação, a colaboração, a escuta ativa, a autonomia e a liberdade e o respeito para ser quem se é.
A mudança precisa ser exercitada, como um músculo que pode doer após uma série de exercícios novos, e que ao final de um mês de exercício passa a ser natural. E não se engane pela minha metáfora, o desafio é pra sempre, é diário, minuto a minuto, segundo a segundo.
Hoje por exemplo foi assim aqui em casa… Olhava para meu filho, no meu pleno período pré/atual menstrual, e desejava ardentemente que ele me obedecesse, que me ouvisse e correspondesse aos meus ‘comandos’. Me frustrei com a (óbvia) recusa dele e, com a minha criança interior ferida, o ciclo já conhecido por mim se repetiu, me enraiveci, fugi do prumo, gritei, interferi, me culpei e por fim chorei de desespero. Era o brinquedo, o almoço, o sono, a fralda, o fio dental, a janela, o travesseiro e uma infinidade de pequeninas coisas que me faziam fugir da conexão com ele pelo simples fato de estar obcecada pelo controle… E eu poderia pensar “mas eu só queria que ele me ouvisse e se acalmasse” Ora! Que ironia não é mesmo? Como posso exigir de uma criança, ainda em pleno desenvolvimento (sobretudo neurológico), que me escute e se acalme se eu, a suposta adulta da relação, sou incapaz de fazê-lo e (talvez a parte bacana disso tudo) reconheço tal desafio?!
O fato é que o caminho ainda é longo e cheio de pedregulhos, olho então cuidadosamente para a minha obcessão pelo controle e para as reações agressivas e intolerantes em busca daquilo que elas omitem. Hoje sei que essa é a superfície, é o que está visível a olho nu, é o que eu vejo/percebo e os outros também, são muito provavelmente as manifestações de algo que não foi nomeado anteriormente e se cristalizou, ou ainda de alguma necessidade que está por trás desse meu comportamento inadequado, que de tão engessado obstrui a visão do que ele oculta. Essas reflexões acima, construídas tal qual um quebra-cabeça de um sem número de peças, me conduzem para o incrível fato que, as mesmas ferramentas que tento usar com meu filho de dois anos e oito meses também se aplicam à mim…rs Lembro que no auge da crise meu marido apareceu e sugeriu algumas alternativas (que fugiam obviamente do meu controle – afinal o controle é uma ilusão) e eu respondi de maneira impulsiva e agressiva. Ele, que me conhece há 13 anos, na mesma hora me perguntou se queria aplausos, e conscientemente eu disse “- Não, eu quero me acalmar mas não consigo”, depois eu desejei um abraço, mas também não fui capaz de pedir… A verdade é que isso tudo me parece um processo curativo real, onde vou me despindo aos poucos e me abraçando um tanto mais. Tem muito choro no meio disso tudo, muita culpa também, mas a parcela de resiliência que venho conquistando diuturnamente tem feito o processo todo valer a pena.
É nesse ponto que olho pra minha história e traço um paralelo com a história do nosso país… A diferença visível a olho nu aqui (e não me entenda mal, não sou nem melhor ou pior do que ninguém, esse é o meu processo), é que eu estou olhando para o meu medo de ser imperfeita, encarando de frente os meus padrões, deixando a minha mente tagarela (o meu ego) de lado e reconhecendo o modelo falido, solitário e ultrapassado do controle e do autoritarismo.
É como uma grande amiga me disse uma vez: “desconstruir é um ato de coragem!”, e ela está certa. Avante com coragem! Vamos juntas?