Eu definitivamente me achava uma mãe moderninha e descolada, passeava pelas ruas do bairro com minha bebezinha no sling, diante de todos os tipos de olhares e palavras de reprovação. Ela tinha um colar de âmbar que quando usava despertava os mais horrorizados comentários e perguntas do tipo: “Mas para que serve isso? E isso adianta mesmo?” Sem falar nos alertas desesperados de senhoras que diziam que ela podia até morrer enforcada! A bolsa linda de corujinha que saímos da maternidade, já tinha sido aposentada e dado lugar a uma prática mochila colorida. Confesso que tinha um certo orgulho desse estilo, me sentia meio subversiva ou sei lá. Nesse contexto lá vinha eu e ela de volta de uma caminhada matinal.
Na portaria do prédio encontrei uma vizinha que tinha um menino lindo, apenas alguns dias mais novo que minha filha, nós sempre conversávamos. O menino tinha uma cabeleira linda castanha em nuances dourados, nesse dia comentei com a mãe dele algo do tipo: “Nossa que lindo está o cabelinho dele, só deve dar um trabalho danado enxaguar no banho né? Eu sofro com os poucos fios da minha filha”. Ela me lançou um olhar de incompreensão e respondeu: “Ué muito simples, só colocar embaixo do chuveiro, não dá trabalho nenhum, você não dá banho de chuveiro na sua filha? Nesse minuto minha marra de mãe prática e descolada escorreu poros afora, pensei em manter minha pose e mentir deslavadamente dizendo que sim, que eu dava banho de chuveiro, mas respondi com toda a sinceridade: “Não eu nunca dei banho de chuveiro nela” e ela respondeu: “Nossa, sério? Você devia experimentar, eles adoram, meu filho toma banho de chuveiro comigo desde o primeiro mês, ele estica as mãozinhas para a água e tenta segura-la é uma graça! É sem dúvida o momento mais especial do nosso dia”. Que lindo, pensei em voz alta, vou tentar hoje mesmo!
Peguei o elevador e lembrei de uma foto que a Bela Gil tinha recentemente postado, ela plena molhada no chuveiro com seu bebezinho fofo nos braços, com essa imagem na cabeça abri a porta do apartamento decidida e comuniquei ao meu marido: “vou dar um banho de chuveiro nela hoje” passei para o quarto como uma flecha e ele me acompanhou com os olhos, separarei uma roupa, peguei a toalha, tirei minha roupa, tirei a dela e fui nua e confiante para o banheiro com ela no colo. Meu marido levantou os olhos por cima do computador e perguntou se eu tinha certeza que seria uma boa ideia. Mas é claro que eu tinha certeza!
Abri o chuveiro e ela se agarrou fortemente em mim e eu disse calmamente: “tudo bem filha, vamos tomar um banho diferente e juntinhas hoje”. Quando entramos na água, ela simplesmente surtou, começou a chorar, parecia um gato tentando fugir da água e do meu colo. Insisti mais um pouco, peguei um pouquinho do sabonete e ensaboei sua barriguinha, tentei molha-la mais uma vez e ela gritou de um jeito que eu nunca tinha ouvido, um choro de pavor ecoava em meus ouvidos, ela começou a tremer, olhei para os olhos dela e pude ver o seu terror, pude ler sua mente e ela dizia: “você enlouqueceu, o que é isso? O que você está fazendo comigo? Estou com medo!” Ela se debatia ensaboada e escorregadia gritando de pavor, fiquei com medo dela cair do meu colo e me abaixei rápido, pensando que se ela caísse a queda seria menos alta, gritei pelo meu marido que abriu a porta do banheiro já com a toalha dela em posição de resgate. Quando ela foi para os braços dele se acalmou no mesmo segundo, ele a levou para o quarto enroladinha na toalha, voltou sem ela e com um balde na mão. Enquanto ele enchia o balde de água morna do chuveiro, disse : “Amor acho que não foi uma boa ideia, podemos tentar de novo quando ela for maiorzinha.”
Eu tomei meu banho, digerindo aquela verdade e me sentindo uma mãe horrível, os olhos de pavor da minha filha não saiam da minha mente, não sei quanto tempo fiquei ali embaixo do chuveiro, em contato com minha frustração de não ter tido meu momento especial e pleno com ela. Quando finalmente sai do banheiro ela já estava cheirosa, de banho tomado e sorrindo para mim, peguei ela do colo do pai e fui para o quarto amamenta-la, fechei a persiana e me sentei confortavelmente. Assim que ela pegou meu peito deu aquele suspiro de alivio, fiz um carinho na cabecinha dela e ela foi relaxando, fui sentindo o seu corpinho cada vez mais pesado e aconchegado sobre meus braços. Fui tomada por uma paz familiar e me deu um estalo, conclui: “Esse é o nosso momento mais especial do dia!”
Me dei conta de que meu momento não precisava ser igual ao de ninguém, percebi que nem tudo que eu achava legal ou “moderninho” daria certo com ela. Relembrei que ela era uma criança única, com suas particularidades e preferências e mesmo sendo tão pequena ela já me dizia quem ela era. Me senti no dever de ouvir e respeitar o que ela tentava me contar sobre ela, ainda de maneira tão primitiva. Fiquei lembrando de como ela gostava de banho de imersão na banheira, ela só chorou no banho da maternidade, desde os primeiros banhos em casa ela já adorava. Lembrei dos barulhinhos de alegria que ela fazia quando percebia que ia entrar na água e quando entrava fazia aquela bagunça com os pezinhos e as mãozinhas, ela ria e “conversava” com as ondinhas que se formavam ao seu redor, como se fossem velhas conhecidas. Eu já não estava mais frustrada, eu estava feliz por ela ter me ensinado um pouco mais sobre ela.
Ela adormeceu profundamente no meu colo, coloquei ela na cama entre barreiras de travesseiros e fui para sala. Eu e meu marido nos olhamos, eu estava mais calma e pude notar que ele estava claramente segurando o riso, inesperadamente eu comecei a rir e ele soltou enfim a gargalhada e rimos muito juntos. Achamos muita graça da cena que ele viu quando abriu repentinamente a porta e deu de cara comigo agachada, com a pobre criança ensaboada e em choque, tentando fugir a todo custo do meu colo. Quando contei que a minha expectativa era um momento tipo Bela Gil plena ai é que rimos mesmo, tentávamos rir baixo e controladamente para não acordá-la, mas ficava cada vez mais difícil e mais engraçado, rir com moderação nos fez gerar barulhos hilários e ai ríamos ainda mais e cada vez mais desmedidamente e livremente.
É claro que eu tinha consciência de quanto a tinha assustado e de maneira alguma no meu riso havia menosprezo por aquele olhar de pavor que ela me lançou, eu sabia o quanto tinha sido tensa aquela experiência para nós duas. Porém foi libertador rir de mim mesma naquela ocasião, porque me trouxe de volta uma leveza que andava faltando em tempos de neblina, típicos do puerpério. Eu andava me cobrando muito, cobrando perfeição e maestria nas situações novas e inusitadas tão comuns daquela fase. Ter arrumado aquela confusão desastrosa na hora do banho, me fez ver que tudo bem se eu errasse, mesmo errando ainda ficaria tudo bem. Reparei o quanto eu andava sendo cruel comigo mesma quando tentava me encaixar em um tipo específico de maternidade, ou quando começava a fazer coisas que outras mães que eu admirava faziam ou diziam, sem antes consultar os meus instintos. Notei quantas vezes eu me desconectei de mim mesma tentando alcançar padrões insanos e solitários que eu havia estipulado naqueles últimos meses.
Aquela risada foi o curativo para uma ferida que já estava ali há algum tempo, que eu em meio aos cuidados com minha pequena nem tinha reparado, uma ferida causada pelas repetidas frustrações que acumulei por não ser perfeita, pelos momentos que eu não dei conta sozinha, pelas vezes que precisei tão vulneravelmente do meu marido. Aquela risada foi um jeito doce e divertido de me libertar daquela cobrança implacável pelo inalcançável. Acho que naquele dia me libertei de todos os padrões, dos tipos e de todas as outras amarras que me traziam angustia nos finais de tarde e que eu não sabia explicar de onde vinha e porquê. E foi uma delícia me dar conta disso no meio de uma gargalhada compartilhada com ele, que mais uma vez estava lá por nós…
Este texto foi escrito por Vivian C. pessoa, mãe da Ive de 2 anos e 7 meses (que hoje toma banho de chuveiro, feliz e sem nenhum trauma ☺) e participante da turma 5 do Zum Zum de mães.
@viviancpessoa