Brincar um caminho para a Aceitação!

Entre os intensos aprendizados da maternidade, gostaria de compartilhar um pouco a respeito da arte da aceitação e da paciência que respeita os ciclos. E uma ferramenta que me auxiliou muito para isso foi o brincar.

A espera como mães começa no momento em que dizemos sim. Mesmo que esse sim tenha acontecido de maneira não consciente. Algumas vezes, há a espera ansiosa pela concepção, a espera da gestação, parto, amamentação, introdução à alimentação, aos primeiros movimentos e assim a todos os grandes aprendizados que chegam com isso. E junto com a paciência da espera, vem a aceitação.

Aceitação de que essa vida que chegou tem seu próprio ritmo, tem suas preferências, tem o tempo certo para cada aprendizado. Não exigimos de um pequeno recém-nascido que já saia andando e falando. Temos a sabedoria interna dos ciclos para nos dizer que há um tempo certo para isso. Assim como para todas essas grandes etapas da parentalidade. E também outros ciclos da vida…

E em toda essa grande mudança que vem com o nascimento dos nossos filhos, com todas as confusões, cansaço, noites insones, algo dentro de nós nos tranquiliza e uma voz nos diz que tudo passa. “São só os primeiros meses”, “São os primeiros três anos”; “É o primeiro setênio”, mas sabemos que mesmo que dure uma década e meia, em algum momento sentaremos e teremos a sensação de missão cumprida. Ou pelo menos almejamos isso.

Mas e quando a mãe natureza nos presenteia com peculiaridades que mudam as noções do inconsciente coletivo a respeito da duração dos ciclos? A criança tão esperada é tão independente que resolve antes de nascer que ela determinará o tempo para tudo, que ela terá um ritmo próprio, que simplesmente não seguirá os protocolos estabelecidos e que ela será diferente. Alguns, para nomear porque vivemos num mundo onde tudo precisa ser titulado, as chamam de crianças “especiais”. Particularmente, não concordo plenamente porque tenho a concepção que todas as crianças têm a sua “especialidade” muito própria e nós, pais, temos sempre a aprender bastante com cada uma delas. Crianças são diferentes entre si, assim como o somos, também, mães e pais e cada ser humano na sua individualidade.

Recebemos aqui esse grande presente. Nossa filhota chegou com essa peculiaridade e tudo é no tempo dela. Desde concepção, parto, amamentação, primeiros passos e palavras, sempre contrariando expectativas e os ciclos convencionais.  Ela apresentou um atraso de desenvolvimento devido a uma alteração genética. Nós tivemos que aprender muito a respirar, acalmar, diminuir a pressa e caminhar cada vez mais devagar. E a grande ferramenta que encontramos para isso foi o brincar.

Brincar, em sua etimologia, de origem latina, vem de vincunlum, que quer dizer laço, algema, encantar. Daí vem a palavra brinco, de enfeitar, e então o verbo brincar.

Encantar… Experienciar… Vivenciar…

Como a sua origem, o brincar vincula, pressupõe certa “intimidade”, um “estar à vontade”. O brincar inclui, nos faz sentir pertencentes, nos faz sentir parte.

Voltando ao diagnóstico de nossa filha, assim que conseguimos entender do ponto de vista médico a causa do “atraso de desenvolvimento” da nossa filha, num primeiro momento entramos com intervenções necessárias para estímulo. Mas acabou nos deixando estressados, ansiosos e cansados. Toda ajuda terapêutica foi maravilhosa, mas me percebi entrando num lugar de que tenho de estimular para que ela supere esse atraso. Tem que estimular para ela se adequar, tem que estimular, estimular, estimular… E percebi que ela não tinha tempo para simplesmente brincar.

E aí me dei conta do quão fiz isso o tempo todo em minha vida. Sempre querendo aprender algo, fazer um novo, um novo curso, brinquedo, carro, trabalho, porque aí me sentiria incluída. Uma memória de dor por alguns fatos da minha experiência de criança que agora estava vindo à tona junto dessa situação com minha filha. Ela me mostrou o quanto eu sempre busquei me adequar nas expectativas de pessoas com quem convivia. E isso me fez crescer muito como ser humano, mas chegou um momento em que isso já bastava. Agora eu já sei caminhar por mim mesma. E tinha uma filhota para tentar ensinar um pouco disso também.

Então decidimos buscar um pouco mais de autonomia nos permitindo que ela nos mostrasse alguns caminhos mais fluidos para o seu desenvolvimento, permitindo conectar com coisas que ela gostava. Por exemplo, ela ama natureza, música e animais, então encontramos na expressão musical com pequenos instrumentos, no canto e na equoterapia incríveis aliados para facilitar esse processo. E também no brincar na natureza em jardins, parques ou em algum lugar de natureza. Ela fica horas simplesmente brincando com pedras, folhas, flores no nosso jardim do prédio ou quando vamos ao parque ou lugares como sítios. E principalmente esse estar na natureza, simplesmente atenta para o que acontece, que Clara me trouxe, me fez resgatar muito de mim mesma. Simplesmente respirar nesses momentos, aceitar a situação do jeito que é. Em alguns momentos, posso buscar o que posso fazer para lidar com isso, e também ajudá-la da melhor forma, mas em outros, posso simplesmente estar, respirar.

Sim! O sim que dissemos para a maternidade, é o sim para a VIDA. Sim, a vida simplesmente é. Sim, é possível brincar, é possível experienciar sem medo de errar. Aceitar a vida, estou aprendendo a apreciar o caminho por ele mesmo, sem a expectativa da chegada.

Sim, os ciclos são fundamentais, mas algumas vezes pode ser que eles durem um pouco mais ou menos e é lindo aprender que é possível brincar e se encantar com isso. Brincar no sentido de vincular, aceitar o momento presente e absorver o melhor dele. Cada momento nos traz um grande aprendizado. E brincar também é se permitir viver sem grandes expectativas e simplesmente se encantar com cada pequena etapa atingida. Sem a necessidade que muitas vezes me impus de será que está certo ou está errado.

A brincadeira nos traz de volta a um lugar que eu chamaria de ponto de partida, como naqueles jogos de infância. O ponto de partida é o ponto zero. Aquele lugar em que não esperamos nada, apenas estamos ali, presentes no corpo. Observando o ambiente e as sensações. Sem julgamentos. Sem rotular como certo ou errado. Apenas permitindo SER.

E é esse lugar da brincadeira, do ponto de partida, em que me coloco presente e disponível para o que é necessário naquele momento, que sinto que é meu lugar como mãe. Quando me libero de tudo o que acho que deveria fazer, ou de como deveria ser, esvazio a mente e simplesmente me coloco disponível no corpo e no presente. Esses são os momentos mais mágicos da minha experiência materna. São os momentos mais encantadores.

O brincar como experiência nos traz essa sabedoria de aceitar que está tudo certo, hoje, nesse exato momento. Se minha filha ainda não fala, mas deveria falar, se o equilíbrio não é tão perfeito, se o crescimento não está dentro da curva, a perspectiva do brincar me permite olhar para isso sem culpa, como um aprendizado, aceitar as limitações mas ao mesmo tempo atentar para o que pode ser diferente, para as ferramentas que posso acessar para auxiliá-la, como essa experiência pode ser conduzida de maneira diferente, com leveza, sem o peso do certo e do errado. Esse mesmo brincar libera a ansiedade porque outros já estão muito mais desenvolvidos na mesma idade do que ela, ajuda a aceitar o tempo, confiar na sabedoria da vida que nos trouxe essa experiência permitindo, ao mesmo tempo, buscar alternativas para novas experimentações. Sem cobranças.

E quando falo em tirar o peso do certo e errado, não é no sentido de abrir mão dos nossos valores, ideais e sonhos. Mas sim no sentido de trazer o brincar como uma espécie de óculos que nos ampliará perspectivas e aprofundará nosso aprendizado naquele assunto que estamos precisando.

A brincadeira precisa do vínculo para acontecer. É necessário um lugar de confiança, de cuidado, de aconchego. Brincar nos permite testar diferentes maneiras de se viver, de se relacionar, de se expressar. O brincar nos permite aprofundar, conhecer melhor, ir ao encontro das nossas raízes. É o espaço de experimentação que nos permite simplesmente mudar os planos quando chove o dia inteiro nas férias e nos vemos entre a opção de ficar chateados porque não podemos passear ou encontrar uma maneira divertida de ficar dentro do quarto do hotel. E nesses encontros inusitados proporcionados pelo brincar, em grande parte das vezes, acabam se tornando aqueles momentos memoráveis, que nos lembramos com muita alegria no coração. Com o brincar com elementos da natureza, folhas, areia, barro, água, retomamos e revivemos toda uma história de desenvolvimento que se encontra escrita no nosso DNA. Histórias que estão no inconsciente coletivo, nos mitos de todas as tradições, nos contos de fada…

No meu contexto com minha filha, resgatar meu brincar me permitiu ser criança novamente e me tornar inteira. Tinha muita dureza e seriedade pelas situações que fui passando pela vida e interiorizando que eu tinha de ser forte, enfrentar, lutar. E com certeza essa postura me trouxe muito crescimento e capacidade de superação. Mas minha filha me ensinou que também é possível ser forte com a leveza do brincar.

Assim, fui aprendendo a soltar, a aceitar as desafiadoras noites em claro, os cuidados, a falta de tempo comigo mesma e aceitando a leveza do momento presente, aprendendo a respirar fundo e simplesmente brincar, jogar bonecas para cima, brincar de bola.

E também a brincar comigo mesma, dançar, cantar, pular ou simplesmente parar, voltando a me conectar com meus sonhos, com meus valores, a ter mais leveza quando perco a paciência. E essa mesma leveza me ajuda a perder a paciência cada vez menos.

O brincar, que pela experimentação, deixa de trazer o peso do jeito certo que as coisas têm de ser, mas simplesmente fluir com as coisas do jeito que são. O brincar que permitiu que eu aprofundasse meu vinculo com minha filha, e também com outras pessoas. E essa não seria uma profunda busca do ser humano? Por criar vínculos? Ou simplesmente por brincar?

Este texto foi escrito por Danila C.C. Fleury, Mãe da Clara (4 anos), Farmacêutica, Servidora Pública, Investigadora Autônoma de Autoconhecimento e Brincar. Participante do Zum Zum de Mães.
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