Mais uma pirraça do João!?

pirraça-3Outro dia fui buscar meu filho João na pracinha e, para variar, ele resistiu. Eu repeti algumas vezes, com firmeza e tranquilidade, que “era hora de irmos para casa”. Ele seguia resistindo e quando estava quase entrando no carro, seu melhor amigo chegou na pracinha. Naquele momento, pensei comigo mesma que sua resistência a ir embora aumentaria. Respirei fundo! Era o momento de não ceder, e por um instante, quase deixei meu filho brincar mais um pouco, mas me lembrei que o caçula estava em casa, que já era hora do João tomar banho, jantar e dormir, pois tinha aula cedo no dia seguinte. Mantive-me firme e disse mais uma vez: “Agora é hora de irmos pra casa João! Amanhã você brinca mais.”. Dessa vez ele acatou o que eu disse, entrou no carro e começou a chorar copiosamente. Entrou rápido, pois não queria que seu amigo o visse chorando.

A partir daí foi um percurso intenso e rico em aprendizagens para nós dois. João seguiu chorando forte e brigando comigo até chegar em casa. Ele dizia coisas do tipo “eu era a pior mãe do mundo, que eu não deixava nada, que a mãe do amigo era muito mais legal, que eu não gostava dele, que eu era feia, chata” e assim por diante. Eu dirigia, escutava em silêncio e respirava lenta e profundamente para manter minha mente no momento presente. O silêncio não era só de palavras, mas também de pensamentos, com a mente tranquila, sem julgamentos a respeito do que estava acontecendo; isso é fundamental para gerar empatia e conexão com a criança para que ela entre em contato com o que está sentindo.

Depois que ele disse tudo que sentiu vontade a meu respeito e eu o escutei atenta, ele entrou num processo de auto ataque e começou a se ofender, dizendo que era “o pior filho, a pior pessoa, que era feio, chato, que queria morrer, que nunca mais ia sair de casa…”. Chegamos em casa e eu passei para o banco de trás do carro e me sentei ali com ele, simplesmente escutei tudo que ele tinha a dizer, tentei fazer contato visual e mantive minha mente no presente, conectada com o que aquela criança tinha para expressar.

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Num determinado momento, ele parecia mais calmo e tentou chegar perto de mim para que eu o abraçasse. Mantive-me ali, presente, mas não correspondi ao abraço, senti que se fizesse isso iria interromper o processo que ele estava vivendo de extravasar suas emoções reprimidas. Repeti mais uma vez a frase que despertou todo o movimento de colocar para fora tudo aquilo que estava guardado fazia algum tempo: “Agora é hora de subirmos para nossa casa João!”. Novamente ele começou a chorar forte, e então percebi que as emoções ainda estavam ali e precisavam serem extravasadas. Nesse momento, suas reações foram de chorar, gritar e chutar forte o ar, além de correr pela garagem por uns 10 minutos, até que foi para o hall de entrada do prédio e sentou-se no sofá. Aos poucos foi se acalmando, diminuindo os gritos e o choro, respirando mais devagar e começando a procurar mais o meu olhar.  Senti que era hora de chamá-lo novamente para subirmos e disse mais uma vez: “João agora é hora de subirmos!”. Dessa vez, João respirou fundo e em silêncio subiu as escadas. Ao chegar em casa foi bastante colaborativo com o que deveria ser feito, tomou um banho demorado, o qual permiti para que, naquele momento, a água levasse o que ainda precisava ser lavado. Enquanto se secava, João me disse: “mamãe, amanhã quero ir mais cedo para a pracinha e vou ligar antes para o Tom (aquele seu amigo do início da nossa história!) para ele ir mais cedo também, pois assim vamos brincar muito!”.

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Ouvir aquilo me deixou emocionada e confiante de que o caminho é por ai. Uma sensação de paz e bem estar tomou conta do meu ser, como se naquele momento eu tivesse cumprido com excelência o meu papel de mãe. A possibilidade de expressar  o que estava reprimido em seu mundo interno de forma vigorosa e contando com a conexão de um adulto presente foi fundamental para surgir essa atitude colaborativa do João e, principalmente, para que o mesmo encontrasse por si só uma solução para a questão que estava vivendo.

Muitos adultos, ao se depararem com situações como essa, vão chama-la de pirraça, birra, “falta de coro”, falta de limite, criança mimada, e uma série de outros nomes que escutamos com frequência. Afinal de contas, o que aconteceu com o João? E o que eu fiz para que ele mudasse sua atitude e me sentisse tão bem?

Quando cheguei para buscar o João na pracinha senti que ele precisava extravasar suas emoções, como já vinha percebendo há algum tempo. Ele vinha me dando sinais, estava irritadiço, pouco colaborativo, agitado, agressivo, enfim com uma série de comportamentos que me indicavam que havia algo ali dentro que precisava vir à tona.

Com o passar das horas, dias e semanas vamos acumulando emoções que por algum motivo ou outro não conseguimos expressar, mas que não desaparecem, ficam ali dando voltas em nosso inconsciente, e vão trazendo mais e mais pressão para a nossa “panela” interna. Em algum momento, essa pressão interna está tão grande que a panela explode e as emoções transbordam pelos olhos, pela boca e por todo o corpo.

As crianças, com sua autenticidade e sabedoria primordial, procuram em seu dia a dia formas naturais de liberar suas emoções acumuladas: correm, pulam, fazem movimentos rápidos e intensos com o corpo, brincam livremente, gargalham, choram etc. No entanto, muitas vezes a falta consciência e maturidade emocional dos pais e cuidadores para propiciar vivências adequadas impedem que isso aconteça de forma natural. Há também outras questões que estão se passando ao entorno e no ambiente das crianças, como por exemplo no caso do João, o nascimento do irmão caçula a poucos meses, sua entrada no primeiro ano do ensino fundamental etc,  que requerem o apoio de um adulto para ajudar a criança a lidar com as emoções que por ventura venham à tona.

Foi exatamente o que senti ali naquele momento.  Era hora de ajudar o João a extravasar. E quando isso acontece, tudo que você precisa fazer é estar presente e disponível para seu filho, pois o resto você vai sentir a medida que a relação for acontecendo. Boa sorte! 🙂