Compreender as nossas necessidades não é tarefa fácil, nos exige um exercício diário de conexão com nós mesmas e muita presença. Compreender as necessidades de nossos filhos não é diferente. Falo que não é uma tarefa fácil, por exigir de nós observação atenta, escuta autêntica, leveza e muita entrega. Aliás, foi a maternidade que me mostrou que leveza e entrega podem sim andar juntas. Mas isso é assunto para outro dia. Por outro lado, perceber as necessidades das crianças tem suas facilidades. Elas são seres autênticos, conectados essas necessidades, e expressam o seu “incômodo” quase que instantaneamente. Um bebê recém nascido, completamente dependente do outro, chora para nos dizer que está com sono, sede, ou que quer o aconchego do colo. À medida que crescem continuam nos dando sinais, sempre que precisam de algo. Fazem birras, gritam, batem, não dormem tranquilamente. Crescem ainda mais e os sinais continuam, como um silêncio, distúrbios alimentares, mais agressividade.
É certo que cada criança tem necessidades próprias de sua faixa etária e é importante conhecermos cada uma dessas fases, para nos nortear e compreendermos como funciona o amadurecimento do ser humano. Mas esse conhecimento teórico deve estar à serviço do nosso trabalho de conexão com a criança, e não o contrário.
Além disso, cada comportamento deve ser observado dentro do contexto em que a criança está inserida. Esse ano, por exemplo, foi marcado pelo isolamento social, pela suspensão das aulas presenciais e diversas famílias tiveram que lidar com perdas. A rotina das crianças foi completamente alterada e de forma abrupta. Os pais ficaram em casa e os passeios foram suspensos. Tudo isso refletiu e refletirá no comportamento delas, de uma forma ou de outra.
Me lembro da fala da Laura Gutman que chama os profissionais da Biografia Humana de detetives. Nosso trabalho é mais ou menos assim, observar as pistas. Não para chegar a uma solução, mas para ajudarmos nossos filhos a se conhecerem e a encontrarem respostas e saídas, respeitosas, para suas questões.
Não há receita ou, um “caminho certo”. Vamos acertar, mas também vamos errar. Só não podemos desistir e deixar de aprender com cada passo errado.
É preciso aceitar nossa humanidade e confiar. Eles nos escolheram como pais, mesmo sabendo de nossas imperfeições. O nosso trabalho é cultivar essa semente que nos foi entregue, zelando e cuidando para que sejam quem vieram ser, para que ocupem os espaços que a eles estão destinados, e que não se afastem de si mesmos.
Mas então devemos simplesmente aceitar e observar o comportamento desafiador da criança? Não, de forma alguma. Somos pais e precisamos assumir esse papel de forma ativa na vida de nossos filhos.
Sob essa perspectiva devemos ressignificar o limite e encará-lo como um gesto de amor. O limite deve ser a delimitação de um espaço onde a criança possa atuar em segurança.
Nesse ponto devemos ter clareza de suas necessidades, a fim de supri-las, e também permitir que se expressem de maneira segura.
A criança que deseja brincar com um objeto perigoso, por exemplo. Nossa proibição quer dizer, “eu te amo, e estou aqui para te proteger, ainda que você não seja capaz de entender isso”. Ao passo que a criança que chora porque está com sono, precisa ser tranquilizada e de um ambiente prepado para que possa adormecer. Ou seja, não se trata de impedir que a criança chore, mas de acolher sua frustração. Nossa ação deve partir desse lugar de observação do comportamento como uma pista que nos é dada. Uma boa pergunta é: de onde vem a motivação para essa atitude?
Ao colocar um limite, devemos ter clareza que somos adultos e possuímos uma visão ampliada que a criança não é capaz de ter. Além disso os limites devem ser expressados com clareza e amorosidade, respeitando os sentimentos da criança.
Criar um vinculo de conexão amorosa com nossos filhos é fundamental para compreendermos seus sinais, termos segurança dos limites necessários, e consequentemente afastarmos a culpa e a insegurança.
Nossas questões internas interferem em como nos relacionamos com os outros. Assim, para nos conectar e estar genuinamente disponível aos nossos filhos, é preciso que, primeiramente, sejamos capazes de fazer isso conosco.
Reservar um tempo a sós, e um tempo para estarmos disponíveis às crianças, observar nossas emoções e reações nas mais diversas situações, assim como observar isso nas crianças, nos ajuda nessa conexão conosco e com elas.
Conectar é ser capaz de aceitar sem julgamentos, é acolher com amorosidade e consciência.
O caminho não é fácil. É uma estrada onde nem todos os trechos estão em boas condições mas, o horizonte é lindo, e trazemos ao nosso lado, de mãos dadas, os companheiros certos para essa viagem, nossos filhos.
Vamos errar, e muito. Mas também vamos acertar e aprender, e nos dedicar. Como disse a Dra. Ana Paula Cury, “No fundo o que eles esperam de nós não é a perfeição, não é o resultado nota 10. Mas o compromisso genuíno de amor. É a gente dar o melhor de si mesmo a cada momento. E a despeito dos nossos erros, a gente já está perdoado, antes mesmo de cometê-los.”¹
Kika Bárbara
Texto: @kikabarbara, que também é Luiza, é maẽ da Mari e da Carol, casada com o Marcelo. Participou da turma 7 do Zum Zum, momento em que descobriu um novo olhar para a maternidade e um novo caminho para si mesma.
Fotografia: Iza Guimarães – @izaguimaraesfotografia
Mãe, Fotógrafa, participante da turma 3 do Zum Zum, que descobriu e acredita na fotografia como instrumento de autoconhecimento e conexão. www.retratoterapia.com.br
1.Dra. Ana Paula Cury, em entrevista ao podcast Tenda Materna.
Como diz a canção do Leoni “me espera amor que estou chegando, depois do inverno é a vida em cores, me espera, amor, nossa temporada das flores”¹.
A primavera chega pondo fim a instrospecção do inverno e nos convidando a expansão. Numa explosão de cores e aromas, a temporada das flores enfeita nosso entorno. Ruas coloridas são um convite a um passeio com as crianças, um café com as amigas, um piquenique na praça.
Mas encontra, muitas de nós, cansadas. Num isolamento social que já dura longos meses. Com as crianças sem ir a escola nosso tempo se encurta, nossos afazeres se acumulam e nosso autocuidado precisa ser exercido na marra. Uma realidade bem diferente da canção onde “pelas ruas, flores e amigos, me encontram vestindo meu melhor sorriso”.
Dessa vez a primavera chega em um momento muito especial para toda a humanidade. Será uma primavera em casa, onde as saídas são restritas ao essencial, e marcadas por precauções de segurança. Uma primavera num tempo de incertezas e de certo modo, de medo. Um tempo de espera por uma vacina que possa nos devolver um pouco da vida a que estávamos acostumadas, do ritmo e da rotina que são importantes para nós e as crianças.
Mas os ciclos da natureza são sábios e imprescindíveis. São repletos de ensinamentos e de oportunidades. Se num primeiro momento viver a primavera pode parecer contraditório com esse momento, no fundo o que acontece é exatamente o contrário. Precisamos da primavera.
Para a Antroposofia esse período é regido pelo Arcanjo Micael, que representa a coragem, o impulso individual, a busca pela verdade e a superação dos medos e das ilusões do mundo.
“Micael é o arcanjo que com sua força divina orienta a consciência por meio do pensamento. Evocar seu nome é tornar presente, por meio das palavras, a força, a firmeza e a coragem que pulsam dentro de nós. A luta deste arcanjo representa a luta dos seres humanos contra as sombras que os impedem de evoluir. Muitos são os dragões contemporâneos.” ²
Me diz se não é disso que precisamos nesse momento? Depois do mergulho interior que o inverno nos proporcinou, chegou o momento de brotarmos trazendo de dentro a força, a coragem e a ousadia da vida, da fertilidade. É o momento de seguir sem os excessos, e confiar na fluidez da vida.
Viver a primavera em tempos de pandemia, é trabalhar em nós e nas crianças a coragem, a beleza e a renovação. Ela nos convida a expandir e partilhar nossos aprendizados e nossas experiências. Uma ótima oportunidade para darmos vida e convidarmos para brincar, a nossa criança interior.
Sem esquecermos que contamos com a coragem de Micael que nos acompanha e fortalece em nossas lutas.
Texto: Kika Bárbara, que também é Luiza – @kikabarbara. Mãe da Mari e da Carol, casada com o Marcelo, participante da turma 7 do Zum Zum, momento em que descobriu um novo olhar para a maternidade e um novo caminho para si mesma.
Fotografia: Iza Guimarães. Mãe, fotógrafa, participante da turma 3 do Zum Zum, que descobriu e acredita na fotografia como instrumento de autoconhecimento e conexão. Visite o site www.retratoterapia.com.br e siga no instagram @izaguimaraesfotografia.
1. Música Temporada das Flores
2.https://aitiara.org.br/pm/109-editorial-revista-micael-2018
Estamos grávidas… e agora? Mil coisas passam pela nossa cabeça, nossos sentimentos já começam a nos alertar para o que estava por vir, mudanças no corpo, nos hormônios, no humor. Ali, naquele momento, o carrossel inicia seu giro, subindo e descendo. E nós iniciamos os preparativos, pré natal, lista de nomes, enxoval… Mas há um item essencial que pouco se fala da sua importância. A necessidade de estarmos com outras mulheres, outras mães.
Um dos problemas da romantização da maternidade e da idéia de um instinto maternal que habita todas nós e que nos transforma em seres dotados da capacidade natural do amor incondicional, nos prejudica em vários aspectos. Um deles, é que sendo essa super mãe não precisamos de ajuda, de apoio e de colo. Essa idéia equivocada nos empurra para uma caminhada solitária, repleta de dúvidas, medos, inseguranças. Percebemos que não somos capazes de suprir todas as expectativas que a sociedade exige, baseada na certeza de que nascemos para ser mães, e todo o conhecimento brotará em nosso ser como mágica juntamente com o bebê.
Mas o que o parto traz consigo é o puerpério que, somado a percepção do real cenário da maternidade, muitas vezes nos joga em um abismo. Às vezes mais fundo, outras mais raso. Nos sentimos cansadas, inseguras, culpadas. Percebemos que nada será como antes, mas não sabemos como será dali pra frente. Sabemos que não somos as mesmas, mas não temos idéia de quem passamos a ser, muitas vezes acreditamos que nos restringimos a ser apenas “a mãe de…”.
E no meio desse cenário, que também traz consigo um amor capaz de nos transformar, sentimos a necessidade de compartilhar, de ter conosco quem seja capaz de compreender todas essas transformações e se conectar a nós.
Nesse movimento vamos nos reunindo em grupos de mães e formando verdadeiras comunidades, onde compartilhamos, escutamos, falamos, resgatamos nossa intuição, nosso saber, que é bem diferente do “instinto materno” construído com base do que esperam de nós.
A palavra comunidade vem do Latim COMMUNITAS, “comunidade, companheirismo”, de COMMUNIS, “comum, geral, compartilhado por muitos, público”.¹ Comunidade pode ser definida como um grupo de pessoas com interesses comuns.
A comunidade nos ajuda a nos perceber e a perceber o outro, a crescer à partir da troca de experiências e do pertencer. A comunidade alivia o peso nas costas, e a culpa materna, nos ajuda a construir uma maternidade com mais leveza.
Pelo menos, essa é a minha comunidade. E você, quer vir também?
Texto: Kika Bárbara, que também é Luiza – @kikabarbara . Mãe da Mari e da Carol, casada com o Marcelo, participante da turma 7 do Zum Zum, momento em que descobriu um novo olhar para a maternidade e um novo caminho para si mesma.
Fotografia: Iza Guimarães. Mãe, fotógrafa, participante da turma 3 do Zum Zum, que descobriu e acredita na fotografia como instrumento de autoconhecimento e conexão. Visite o site www.retratoterapia.com.br e siga no instagram @izaguimaraesfotografia.
1. https://origemdapalavra.com.br/pergunta/etimo-da-palavra-comunidade/